Argumentos sobre aborto servem preço de consultas

O que tem o aborto e o preço de consultas médicas em comum? À partida, nada. Contudo, um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) - que obriga a Ordem dos Médicos (OM) a alterar o código deontológico na questão do aborto - vai agora servir à OM como argumento em tribunal num processo contra a Autoridade da Concorrência (AdC) devido à definição dos preços máximos e mínimos para as consultas.<br />
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Para justificar a ilegalidade da condenação feita pelo código deontológico aos médicos que praticam aborto - mesmo quando o código penal o permite -, os conselheiros da PGR explicam que o Estado delega nas ordens profissionais "uma ampla autonomia que inclui o poder regulamentar necessário à disciplina da actividade médica".

E que, por isso, aqueles organismos têm poderes para definir regras na profissão que assumem a força de lei. O objectivo do parecer era explicar que estes regulamentos impõem regras que devem ser acatadas pelos membros da classe, mas não podem contrariar a legislação geral. Contudo, serve agora de argumento à própria Ordem para reforçar os seus poderes regulamentares noutros campos que não o aborto, em situações onde havia dúvidas.

"A Ordem congratula-se e aplaude o parecer do conselho consultivo, que foi homologado pelo ministro. Com certeza que sabia o que homologou", ironiza o bastonário Pedro Nunes. Depois de o documento ter sido analisado pelos serviços jurídicos do organismo, o bastonário considera que a Ordem sai reforçada.

O exemplo vai para o recurso que corre nos tribunais a uma multa instaurada pela Autoridade da Concorrência. Mas também em casos de publicidade a actos médicos, nos quais alguns clínicos já contestaram as competências da Ordem para regular o assunto.

Em relação ao aborto - o motivo que levou o ministro da Saúde, Correia de Campos, a pedir o parecer ao conselho consultivo da PGR - o bastonário adianta que já foram feitos pedidos de parecer a vários constitucionalistas e ao Provedor de Justiça.

Pedro Nunes garante que, se houver a mínima dúvida da constitucionalidade desta determinação em alterar os princípios médicos, "o código deontológico fica como está". Para o médico, trata-se de "uma questão de princípio de bom funcionamento democrático".

Por outro lado, o parecer da PGR considera que há inconstitucionalidade formal no código deontológico porque este não remete para a lei que o consagra - o estatuto da Ordem. Este facto, que é apenas de carácter formal, tem a concordância da Ordem, que vai fazer esta rectificação de imediato. Porém, na questão concreta da condenação "por falta deontológica grave" aos médicos que pratiquem aborto quando não está em risco a vida da grávida, a decisão dependerá dos pareceres pedidos.

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