Antissemitismo. Um flagelo sem fim que abala o futebol italiano

Elementos de extrema-direita da claque da Lazio faltaram ao jogo de Bolonha porque iam para a bancada com o nome de um treinador judeu. Já nem o presidente escapa à polémica
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O futebol italiano está em choque devido às manifestações de antissemitismo iniciadas no domingo pela claque Irriducibili, afeta à Lazio, que é conhecida pelos seus membros de extrema-direita. E tudo porque 16 elementos deste grupo, entre os quais três menores, exibiram autocolantes de Anne Frank, adolescente judaica que se tornou um grande símbolo das vítimas do Holocausto, equipada com a camisola da AS Roma, grande rival da Lazio.

Esta atitude provocou a indignação generalizada na sociedade italiana. Apesar disso, os radicais da Lazio não recuaram nas manifestações fascistas e, anteontem, recusaram-se a viajar para Bolonha para apoiar a sua equipa no Estádio Renato dall"Ara, simplesmente porque a bancada destinada às equipas visitantes passou a chamar-se Árpád Weisz, judeu húngaro e treinador do Bolonha nos anos 1930 que morreu no campo de concentração de Auschwitz. Os Irriducibili emitiram até um comunicado no qual justificaram a ausência: "Não queremos ser cúmplices do teatro mediático desencadeado nas últimas horas."

Os dirigentes da Lazio começaram por encarar de frente este problema e o presidente Claudio Lotito prometeu oferecer excursões anuais ao campo de concentração nazi de Auschwitz a alguns adeptos por forma a sensibilizá-los para uma das maiores tragédias da história mundial.

Só que Lotito acabou por se envolver numa polémica por alegadamente ter justificado a sua visita à sinagoga de Roma, na terça-feira, onde depositou uma coroa de flores, como "uma encenação" porque os rabinos não estiveram presentes porque se encontravam em Nova Iorque. O líder laziale negou ter proferido tal frase, mas uma gravação áudio publicada pelo jornal Il Messaggero acabou por ser comprometedora. Certo é que na manhã seguinte a coroa de flores foi encontrada nas margens do rio Tibre.

Este incidente atravessou fronteiras, com o ministro dos Desportos de Israel, Miri Ragev, a enviar um recado aos governantes italianos, convidando-os a "tratar deste problema incómodo com toda a seriedade, para que seja possível erradicá-lo". O seu homólogo Luca Lotti respondeu: "Nós também estamos chocados. O presidente Sergio Mattarella está a dedicar toda a atenção a este assunto." O primeiro-ministro Matteo Renzi escreveu até uma mensagem sentida no Facebook: "Se fosse presidente de uma equipa de futebol, ela apareceria em campo com a estrela de David em substituição do patrocinador. E explicaria por que me causa calafrios pronunciar o nome de Anne Frank."

Cerimónia desrespeitada

A primeira entidade a responder ao problema foi a Liga Italiana, decretando que antes do início de todos os jogos na 10.ª jornada, realizados na quarta-feira, se cumprisse um minuto de silêncio e fosse lido um excerto de O Diário de Anne Frank Só que este momento que se pretendia de reflexão redundou em nova polémica, pois os adeptos da Lazio presentes no Dall"Ara cantaram a canção fascista Me ne Frego (Não quero saber) ao mesmo tempo que faziam a saudação nazi.

Nos outros jogos, também houve problemas. Em Turim, alguns adeptos da Juventus viraram costas ao relvado durante a celebração, e no Roma-Crotone esse momento solene foi abafado por cânticos de apoio aos romanos, sinal de que o antissemitismo está presente nas claques.

Desde 1987 que os Irriducibili são conotados com a extrema-direita, por exibirem símbolos afetos ao fascismo italiano e por causa dos cânticos racistas. Aliás, a presença de jogadores negros na Lazio foi interdita até que em 1992, foi contratado Aaron Winter, que foi vítima de manifestações de racismo. O holandês chegou a oferecer a sua camisola aos Irriducibili, que a rejeitaram.

Outro momento histórico de racismo foi protagonizado por Paolo Di Canio, jogador que num dérbi com a Roma fez a saudação fascista (braço estendido), gesto que valeu uma multa de dez mil euros ao atleta, assumido fã de Mussolini.

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