Antevisão 2007 Morte de três mil soldados leva Bush a enaltecer "ofensiva pela liberdade"

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Chamava-se Dustin R. Donica, tinha 22 anos, era soldado de infantaria e nascera em Spring, no Texas, o mesmo estado americano onde George W. Bush tem um rancho e onde se encontra actualmente de férias. Fazia parte da Igreja Episcopal do Espírito Santo, que, ainda há dias, o incluía na lista do 32 militares pelos quais os devotos deviam rezar. Uma "oração pela paz". Morreu no domingo e o seu nome ficará para a história como o do soldado americano n.º 3000 morto no Iraque.

Em tempo de balanço, registe-se que durante a II Guerra Mundial (1939-45) morreram 405 mil soldados americanos; na I Guerra Mundial (1914-18), 116 mil; no Vietname (entre 1965 e 1975), 58 mil; na Coreia (1950-53), 36 mil; na primeira Guerra do Golfo (16 de Janeiro a 27 de Fevereiro de 1991), 147; e no Afeganistão (desde 2001 até hoje), 354.

Ainda assim, três mil é, para muitos, um murro no estômago. Um marco "trágico", como sentenciou o senador democrata Edward Kennedy, do Massachusetts. Já Bush preferiu escrever um depoimento, em vez de falar directamente sobre o assunto, garantindo que, neste ano, "continuaremos na ofensiva contra os inimigos da liberdade".

Na distante Multan, no Paquistão, um menino de nove anos morreu quando jogava um jogo macabro, imitando a "morte de Saddam". A irmã, um ano mais velha, "ajudou-o" na brincadeira, pendurando-o da ventoinha de tecto - ao cenário mais parecido com o patíbulo onde Saddam foi enforcado, como se vê nas imagens que as televisões de todo o mundo transmitiram à saciedade. Quando se apercebeu do que acontecia a seguir - as TV não mostram essa cena -, a menina gritou, desesperada, por socorro. Tarde de mais para Mubashar Paracha.

"Milhões de Saddams"

"Saddam viveu como um herói e morreu como um mártir." "Saddam não morreu. Há milhões de Saddams." Estas afirmações, proferidas à cadeia de televisão Al-Jazeera, por uma irmã e um sobrinho do antigo presidente, respectivamente Amal Ibrahim al-Hassan e Laith al-Chawi, traduzem bem - passe o exagero da consanguinidade - o sentimento que une milhões de sunitas. Iraquianos ou não. Alguns estão "acantonados" em Tikrit, cidade onde Saddam nasceu e que Bagdad decidiu isolar por receio de distúrbios. Saíram às ruas, às centenas, ontem, depois de terem chorado o "herói e mártir" junto da sua campa no cemitério familiar da aldeia de Awja, onde jazem também os filhos Uday e Qusay, mortos a 22 de Julho, em Mossul, por soldados americanos. Não há registo de incidentes, porém.

Não que falte vontade aos correligionários de Saddam. O Comité de Ulemas Muçulmanos, principal organização religiosa sunita no Iraque, divulgou, ontem, um comunicado denunciando que a execução de Saddam - no sábado - constituiu "um acto iminentemente político" e alertando para o dia em que "o povo iraquiano, e não o ocupante, possa aplicar um veredicto equitativo aos que lhe infligem várias formas de sofrimento". Já o ramo iraquiano da Al- -Qaeda, em mensagem que se presume anterior a sábado, por não referir o enforcamento, garante que prosseguirá a jihad ("guerra santa") "contra os soldados cruzados e os apóstatas".

Tão ou mais grave do que a sanha sunita contra os EUA é a sensação que se agiganta de que Teerão, xiita como a maioria no Iraque, decide a política de Bagdad. Aliás, segundo testemunhas, antes de morrer, Saddam alertou precisamente para a "coligação iraniana", numa referência ao Governo do xiita Nuri al-Maliki. Ontem, foi a vez de o Exército Islâmi-co no Iraque, grupo de guerrilha sunita, divulgar um comunicado do seu emir - também presumivelmente anterior à execução - considerando que a "ocupação iraniana" é "pior" do que a americana. "Foi a América que ateou o fogo da guerra confessional antes de se perceber que fora armadilhada pelos iranianos, que se apoderaram do Iraque e das suas riquezas sem desferirem um tiro."

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