Quando em 2009 Paulo Reis Silva tomou posse como presidente da junta de Almoster, uma das cinco freguesias do concelho de Alvaiázere, no norte do distrito de Leiria, sabia que a recuperação da Igreja de São Salvador do Mundo era "uma espinha atravessada na garganta das gentes da terra há muitos anos". Mas haveriam de passar os três mandatos que a lei lhe permitiu fazer, até deixar este legado aos conterrâneos. Agora, do lado de lá da estrada, na IPSS a que preside, olha com indisfarçável orgulho para a obra, onde falta apenas colocar alguns painéis explicativos. "Coisa pouca", diz ao DN, sabendo que se trata de pormenores que estão a cargo da museóloga Paula Cassiano, que com ele (engenheiro de formação e profissão) e a arquiteta paisagista Ana Gonçalves completou o trio responsável por este projeto ímpar de recuperação..Desde que a obra ficou concluída, todos os os dias vêm pessoas admirá-la. Porque a particularidade de uma igreja sem teto chama muito a atenção. Na verdade, faltou muito pouco para deixar de ser uma igreja, para deixar de ser alguma coisa. "Quando deixou de estar aberta ao culto (porque se construiu uma igreja nova), isto nos anos 60 do século passado, a Igreja passou para uma cooperativa. Ora, o pároco da altura - que era o presidente da Cooperativa - resolveu transformá-la numa espécie de garagens e armazéns para serviço. E isso causou grande impacto junto das pessoas". Paulo não diz, mas foi mais do que isso. Tratou-se de verdadeira revolta, que chegou mesmo aos ecrãs da televisão, através de uma reportagem da RTP. E ele, menino, lembra-se de entrar e sair da mercearia do avô, ali ao lado, e perceber que a torre sineira "já tinha sido demolida e no seu lugar havia agora uma garagem". Da mesma maneira, "o altar-mor também nunca o conheci". De todo o conjunto da Igreja, recorda-se, porém, que "ainda tinha telhado". Mas a meio da década de 1990, um grande incêndio acabaria por deitá-lo abaixo. "A partir daí as ruínas ficaram como as conhecíamos até agora", relata o antigo autarca ao DN..Com a falência da cooperativa, a Junta de Freguesia de Almoster acabou por comprar as ruínas da Igreja em hasta pública. De modo que, quando Paulo Reis Silva se tornou presidente, em 2009, tinha esse património. "O que sempre ouvi é que não se podia mexer naquilo, que as entidades não deixavam. A minha preocupação foi fazer um ponto da situação para ver o que se passava. Percebi que o imóvel não estava classificado e podíamos intervir. E com muito cuidado conseguimos retirar tudo aquilo que tinha sido acrescentado, demolir os barracões e garagens. Foi o primeiro passo para chegarmos aqui", revela Paulo Reis Silva..Os trabalhos de recuperação começaram em 2017. A população clamava por um telhado, apenas, mas o autarca e os executivos que o acompanhavam iam mais além: conservar as ruínas que ainda existiam e dar-lhe alguma dignidade. Mais eis que, dois anos depois, um aviso da associação Terras de Sicó, no âmbito da revitalização de aldeias, assentou então que nem uma luva. Foi assim que a Junta pôde candidatar-se a um financiamento, no âmbito do Portugal 2020, para a criação do Centro Interpretativo da Freguesia de Almoster. A obra teve um custo total de 138 823,32 euros, sendo que mais de 100 mil foram financiados pelo PDR 2020..Posta de lado a hipótese de cobertura, "optou-se por criar ali uma espécie de um auditório ao ar livre". A arqueóloga Paula Cassiano, responsável pelo museu de Alvaiázere, natural do concelho, lembra-se bem daquela conversa em que o então presidente da junta lhe falou "dos bancos que simulassem o que era a Igreja, antigamente"..Almoster tem apenas 600 habitantes. Em 10 anos perdeu cerca de 10% da sua população. Paulo Reis Silva sempre entendeu que a recuperação da "igreja velha" poderia ser um atrativo para a freguesia. "Para os mais velhos é importante que o espaço tenha ganho alguma dignidade. Mas não é só isso que está em causa. A abrangência é a nível turístico. Ainda as obras não tinham ganho forma, já havia um corrupio de gente. Agora que terminaram, a região está incrédula com o trabalho conseguido"..Por estes dias, Paula Cassiano termina os painéis explicativos. Mas quem visita o local já encontra a base para tudo aquilo que constava do projeto: "um pequeno Ecomuseu onde os membros da nossa comunidade se tornam atores dos nossos costumes e tradições, um local especializado na comunicação da importância e do significado do nosso património histórico e cultural, onde estará patente uma mostra alusiva ao local e a toda a história, refletindo a importância das atividades rurais ao longo da gerações, revelando os trajes e costumes, as tradições e as artes e ofícios".."Será, pois, um espaço de todos e para todos, alicerçado na história religiosa do espaço e nas tradições do nosso povo", afirma ao DN..Orgulhosa do trabalho conseguido, a museóloga espera ver Almoster recuperar um pouco da pujança que já teve na história do país. Afinal, por alturas do século XVI, era ali que ficava uma estalagem onde pernoitavam os cavaleiros incumbidos de fazer a troca das sacolas de correio entre o norte e o sul, então feita precisamente em Alvaiázere..dnot@dn.pt