O Ministério do Ambiente aprovou a consulta pública para classificação do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve - Pedra do Valado como área marinha protegida, a primeira a ser criada em Portugal Continental no século XXI. O caminho até chegar aqui envolveu mais de 70 associações de pescadores, organizações não-governamentais e municípios. A consulta pública será de 30 dias..Ao longo da costa de Albufeira, Lagoa e Silves encontra-se o maior recife rochoso costeiro a baixa profundidade de Portugal, estendendo-se desde o Farol de Alfanzina, em Lagoa, até à Marina de Albufeira. Neste recife encontram-se cerca de 900 espécies, incluindo 12 novas para a ciência e mais de 45 novos registos para a costa portuguesa, tal como várias espécies com estatuto de conservação como o cavalo marinho. Também existem jardins de corais e de gorgónias, e pradarias de ervas marinhas. Pela sua localização, este recife está sujeito a pressões significativas da pesca e do turismo..O processo começou em 2018 com o Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR), a Fundação Oceano Azul, algumas autarquias e associações de pescadores do Algarve, a lançar as bases para a criação de uma Área Protegida de Interesse Comunitário (AMPIC). "No CCMAR pretendíamos que os dados que fomos recolhendo ao longo dos anos não fossem para o Governo sem primeiro consultar e trabalhar com os atores locais. Fizemos um processo participativo a que chamámos de área marinha protegida de interesse comunitário precisamente por ser um processo de baixo para cima", explica Jorge Gonçalves, investigador do CCMAR da Universidade do Algarve..Ao longo destes três anos, houve sete reuniões plenárias e mais de 70 reuniões bilaterais com diferentes organizações. "Foi importante haver este processo coletivo com as várias entidades para todas elas discutirem e apresentarem os seus pontos de vista e os direitos que lhe assistem de alguma maneira", afirma Tiago Pitta e Cunha, presidente executivo da Fundação Oceano Azul..Há cerca de 20 anos que a Universidade do Algarve faz estudos sobre os habitats marinhos da costa algarvia, que permitiram à instituição saber os melhores sítios em termos de riqueza e dos valores naturais, tal como das utilizações a nível das atividades socioeconómicas. Toda esta pesquisa permitiu delimitar onde será instalado o Parque Natural Marinho. "Todo esse conhecimento científico foi ainda melhorado com o facto de fazermos o mapeamento dos bancos de pesca algarvios e de todas as atividades humanas que se fazem no mar", diz o investigador do Centro de Ciências do Mar..A criação desta área protegida tem três objetivos. Antes de mais proteger os valores naturais que estão em causa naquela zona e depois promover uma pesca artesanal e turismo sustentáveis. Em 2019, segundo um estudo da Universidade do Algarve, um milhão de turistas visitou a zona sul do país durante o verão. Por isso, esta área pretende também contribuir para a literacia oceânica..A ciência mostra que a criação de áreas protegidas contribui para a recuperação da biodiversidade e aumento da biomassa e, por isso, contribuirá para um aumento de rentabilidade dos pescadores. Jorge Gonçalves explica que a zona que será protegida funciona como uma espécie de maternidade, mas que haverá uma área em que não será possível qualquer tipo de atividade e que será estudada para entender a evolução do recife. A pesca será permitida dentro do parque exceto nas áreas protegidas. "O objetivo é que estas áreas sejam mais produtivas, como não são pescadas, e que possam exportar peixes maiores, o tal aumento de biomassa que se regista na maior parte das áreas marinhas protegidas no mundo", explica Jorge Gonçalves..No entanto, a limitação das áreas que podem ser pescadas terá impacto para os rendimentos dos pescadores locais. Para limitar o impacto que a área protegida terá nos rendimentos destes pescadores, foi decidido que estes terão uma compensação. Os próprios pescadores sabem o impacto que as várias atividades socioeconómicas têm tido no recife por isso, apesar de perderem rendimentos consideram importante proteger este ecossistema para o futuro. "Achamos que a pequena pesca local tem direito a uma maior proteção porque têm embarcações tão pequenas que não podem ir pescar para áreas mais distantes, ao contrário de embarcações maiores que vêm de pontos longínquos para pescar no recife", diz Tiago Pitta e Cunha..A Fundação Oceano Azul pretende que este caso de estudo no Algarve se torne num modelo que possa ser replicado em outras áreas ribeirinhas do país. Aplaude ainda a proatividade da comunidade algarvia em querer, em conjunto, pensar e preservar o futuro para gerações futuras..sara.a.santos@dn.pt