Alfama, fado e touros em vez de 'dancings'

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Realizador Ettore Giannini também assistiu à estreia

Kujnir-Herescu não era o melhor apelido para aquela Nadia, fidalga romena pelo primeiro casamento, se tornar nome de cartaz de filme. Na primeira página do DN de 9 de Abril de 1955 anunciava-se a chegada a Lisboa de Nadia Gray, "a famosa vedeta do cinema italiano" - e, mais tarde, também do cinema francês e, depois, do americano.

"Nadia Gray e o realizador Ettore Giannini", como se podia ler na secção Vida Artística, "chegaram a Lisboa para assistir [no São Luiz] à estreia de Carrossel Napolitano", filme premiado em Cannes. "Enquanto os fotógrafos disparavam as suas máquinas, a artista , no deck do Saturnia, respondia às primeiras perguntas dos jornalistas."

Como era de bom-tom, "confessava-se encantada por vir a Portugal, com pena sòmente [na época, ainda se usava o acento grave nos advérbios] de se demorar tão poucos dias, pois ansiava conhecer o nosso país mais profundamente. E Nadia Gray, logo ali, traçou o seu plano".

Mulher do mundo, "quer ver a cidade velha. Não lhe interessam lojas, nem dancings, nem palaces modernos. São iguais em todos os países. Mas Alfama, de que alguém lhe falara, a bordo, tenta-a com o desenho caprichoso do casario e das suas ruas estreitinhas; o fado é outro motivo da sua curiosidade de turista; e quando soube que poderia ver amanhã uma corrida de toiros - exultou. Ela, que nunca assistira a uma toirada na sua vida!".

Depois, "fala-se de cinema". Nadia interpretou umas dezenas de filmes - em elencos em que se cruzou com Totò e Marcello Mastroianni, Eddie Constantine e Brigitte Bardot, Audrey Hepburn e Frank Sinatra, Erroll Flynn e Peter Sellers -, mas ficaria na História por uma sequência de La Dolce Vita: é a mulher da alta sociedade que faz uma festa de divórcio no seu apartamento, ensaiando um striptease. Estamos, ainda, em 1955 e o filme de Fellini só irá estrear-se cinco anos volvidos - em Lisboa, 15 anos mais tarde!

Nadia Gray enaltece CarrosselNapolitano. "É o filme--orgulho de Itália. Uma obra extraordinária! E não pensem que digo isto pelo facto de figurar no elenco. O meu papel é, de resto, bem pequeno: apareço, logo de início, num sketch delicioso - e a minha intervenção acaba aí..."

"A artista fala de Casta Diva [filme realizado por Carmine Gallone] e dos Amores de Casanova [dirigido por Steno], que concluiu recentemente. Agora são os estúdios de Paris que a esperam. Vai terminar Les Femmes de Nuit [a fita de Bernard Borderie acabaria por se intitular Les Femmes s'en Balancent]. Há quem recorde, a propósito, La Vierge du Rhin [realizado por Gilles Grangier], que Nadia Gray interpretou ao lado de Jean Gabin e que vamos ver ainda esta época. E a vedeta de Carrossel Napolitano aproveita o ensejo para dizer da sua admiração pelo cinema francês, cujo esforço, paralelo ao do cinema italiano, tanto tem contribuído para o progresso da indústria [seria mais correcto dizer 'da arte']."

"Ao fim da tarde", lê-se ao correr da notícia, "num avião da Alitalia, também chegou a Lisboa o realizador do filme Carrossel Napolitano. Ettore Giannini, antigo escritor e jornalista, homem de teatro e cinema, que tem repartido a sua vida no sonho de a realizar em arte."

"Interrogado pelos jornalistas sobre o filme Carrossel Napolitano [Ettore Giannini] respondeu que o considerava o melhor da sua carreira de realizador [dirigiu poucos filmes], tendo palavras de grande elogio para os intérpretes."

E, sobre o actual cinema do seu país, Giannini discorria: "O cinema italiano teve o seu momento afortunado com o neo-realismo - uma fórmula que tinha e tem o direito à existência, depois dos graves momentos da humanidade, com as suas guerras, convulsões políticas e sociais, dramas humanos, incertezas e angústias... Mas, depois, surge a necessidade de uma visão renovada, uma visão mais leal, mais fresca da vida do homem..." Dois anos depois, Federico Fellini filmava Noites de Cabiria e Michelangelo Antonioni rodava O Grito.

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