Agarrem-me que os invado! – o fiasco geoestratégico de Putin

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Finalmente ficou claro um dos objetivos da liderança russa subjacente ao envio, nas últimas semanas, de exércitos para as fronteiras da Ucrânia - o reconhecimento, como países independentes, das províncias de Lugansk e Donetsk, no leste ucraniano. As elites russas exigiam a defesa dos compatriotas no Donbass; mas isso não passava pelo separatismo dessas províncias da Ucrânia. Acordos recém-assinados (com a tinta ainda fresca...) entre a Federação Russa e as novas "repúblicas" separatistas servem de pretexto para exércitos russos entrarem no leste da Ucrânia. Entretanto, o líder da Federação Russa faz discursos reiterando a natureza "artificial" da Ucrânia enquanto país soberano.

A Rússia atual é um país médio em termos económicos, com um PIB total um pouco superior ao da Espanha, um PIB per capita (em 2020) de 11 786 dólares (entre o da Turquia e o da Argentina) e uma estrutura produtiva típica de um país em desenvolvimento, assente na exportação de recursos naturais. Apenas é ainda uma forte potência no plano militar e é essa carta que o líder russo jogou agora. Com essa jogada conseguiu: (i) relembrar que a Rússia é uma potência militar relevante; (ii) mostrar que a estabilidade europeia, em especial nas vertentes económica e energética, depende da Rússia; (iii) testar a coesão dos membros da NATO e da AED; (iv) subir os preços do petróleo e do gás natural, os principais produtos que a Rússia exporta. Mas falha clamorosamente no aspeto mais relevante para a segurança da Federação Russa: forçar a neutralidade futura da Ucrânia.

É importante relembrar que a Federação Russa invoca a violação de compromissos de não expansão da NATO para leste ("not one inch eastward") dada em 1990 a líderes da União Soviética (aquando das negociações relativamente ao processo de reunificação alemã), que governos americano e europeus negam existir. Os Estados do leste europeu que se tornaram membros da NATO não sairão da Aliança nem serão retirados dos seus territórios soldados da NATO (lá colocados após a anexação da Crimeia). Pelo que o efeito útil deste argumento russo ficava circunscrito a evitar a adesão da Ucrânia à NATO. Em 2014, a anexação da Crimeia e a guerra no Donbass forjaram uma forte unidade nacionalista ucraniana antirrussa. Este sentimento antirrusso mantém-se forte; a Ucrânia não mais regressará ao espaço de influência russa. Com a postura ora assumida pelo Kremlin, fica confirmado que os líderes russos sabem bem isso. Em breve, sondagens mostrarão que a larga maioria da população ucraniana apoia a adesão à NATO (apesar de a NATO não ter dado abertura a isso até recente data).

A liderança russa falhou clamorosamente no seu objetivo principal relativamente à Ucrânia. O Kremlin deve aceitar isso e deixar de correr atrás do prejuízo. Neste jogo perigoso iniciado nas últimas semanas, é importante que os líderes russos percebam que é tempo de parar, antes que uma guerra a sério cause uma enorme instabilidade económica e financeira internacional, a acrescer a terríveis custos em vidas humanas. Isso terá efeitos nefastos na credibilidade da Federação Russa, provocará sanções financeiras inéditas e indisporá fortemente países amigos como a Índia e a China - que já devem estar à beira de um ataque de nervos com o apoio ao secessionismo...

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