Afinal, o Vítor Baía era para ser outro

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Treinador trocou as voltas e levou às Antas Vítor em vez de Carlitos

Afinal, Vítor Baía não estava para ser o mítico Vítor Baía, rei mundial dos títulos como futebolista (30, ímpar no planeta Terra). Era Carlos Marques quem tinha encantado o olheiro do FC Porto, em 1983. "Com uma exibição ainda melhor do que a do William [já esta época no Benfica-Boavista, 0-0]", recorda o Carlitos de Leça da Palmeira. Mas Fernando Santos, treinador da Académica de Leça, enganou o clube das Antas e fintou o destino: levou Baía. Diz Carlos Marques, o resolvido Carlitos, que aos 38 anos afina direcções e muda pneus em Matosinhos: "Talvez tivesse uma casa melhor, mas não era mais feliz."

Carlitos, Vítor e Domingos eram apenas alguns dos miúdos que despontavam no pelado do quartel onde hoje se ergue o Pavilhão Municipal de Matosinhos - como Tó Zé (campeão Mundial de Riade, 1989), os irmãos Mesquita (Leça e Leixões), entre outros. Carlitos defendia as redes da Portuguesa, Vítor as da Académica, que tinha em Domingos o artista ("as pessoas enchiam pavilhões só para o ver jogar", recupera Carlos Marques). E um dia chega a final do torneio Bola de Neve, entre as duas equipas. O calendário assinalava 1983, o palco era o mítico Estádio do Mar (Leixões). "Foi a primeira vez que pisei relva. Lembro-me que o meu pai estava por trás da baliza e fiz um jogo impressionante. O Vítor foi um espectador, porque a bola mal chegava à baliza dele", explica.

E o FC Porto, sempre atento aos talentos que cresciam nas redondezas, estava nas bancadas. No final, foi pedido a Fernando Santos, um portista de Leça da Palmeira que orientava os miúdos da Académica, que levasse Carlos Marques e Domingos Paciência às Antas, mas o técnico apostou em Baía: "Já sabia que ele e Domingos iam singrar", explica Fernando Santos. Acertou, mas deixou uma questão na cabeça de Carlitos que ainda hoje não está resolvida.

"Quem seria hoje, se ele não tivesse feito essa troca? Olhe, não estava nesta casa [um apartamento na Senhora da Hora, onde vive com a família: mulher e dois filhos, de 19 e oito anos]. Nem estava nos pneus", sorri, sem traumas, apesar de a cabeça manter dúvidas pertinentes.

"O Vítor na altura nem era muito dotado para a baliza. Pouco antes, ele até jogava na frente. Mas o que o Costa Soares [departamento juvenil do FC Porto] dizia era que já tinha uma ambição e inteligência notáveis. Via-se que acabaria por vencer, como venceu. Já a mim, todos me diziam que tinha qualidades inatas para a baliza", comenta o guarda-redes que depois de Baía lhe ficar com o lugar no FC Porto tomou conta da camisola da Académica de Leça (e, depois, da do Leixões, em juvenil, e de várias equipas de amadores). "Os meus pais ainda hoje me dizem: 'Olha Carlitos, imagina se tivesses tido a sorte dele..." "Eu penso muito no que podia ser, mas claro que tanto podia dar como não dar nada", adianta. E remata: "Estou satisfeitíssimo com a vida que tenho, com a minha mulher, filhos e família. Se calhar, se tivesse o que ele tem hoje, não tinha esta família."

De resto, poucas vezes se cruzou com Vítor Baía nestes 24 anos. E nunca comentaram o assunto (o portista falou dele a A Bola, a 7 Julho 1990). Nem com Fernando Santos. "Fiquei magoado e os jogos até me corriam mal sempre que ele aparecia, mas a verdade é que nunca lhe perguntei."

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