Adiar as presidenciais? Claro!

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A pandemia acelerou e lançou a confusão sobre o ato eleitoral para a Presidência da República. Já não chegavam as limitações ao desenrolar das campanhas dos candidatos, empurrando-os das ruas para os media e as redes sociais, para agora se colocar também a possibilidade de adiamento do escrutínio.

Com o número de infetados a disparar, a perspetiva dos cidadãos de maior risco, nomeadamente os idosos, se deslocarem às mesas de voto causa preocupação. A prova disso é a necessidade de novo confinamento geral. Sendo a abstenção sempre elevada nestas eleições, convém, no entanto, distinguir situações. Uma coisa é a abstenção natural, aquela que resulta da decisão livre e sem constrangimentos de cada um dos eleitores; outra coisa, bem diversa, é a abstenção forçada, imposta aos cidadãos que, perante a necessidade de escolha entre a segurança e o voto, optam obviamente pela primeira.

Este pico da pandemia impossibilita o voto de segmentos específicos da população (e não são só os mais velhos), afetando assim mais uns candidatos do que outros e adulterando o resultado final. O candidato Marcelo Rebelo de Sousa, que lidera confortavelmente a corrida nas sondagens, é o primeiro prejudicado. Já aqueles que querem marcar uma posição de rutura com o sistema e que buscam outros ganhos, como o candidato André Ventura, não deixarão de aproveitar a oportunidade para uma forte mobilização, que lhes garantirá um resultado bem acima daquilo que é o seu real valor no eleitorado. No limite, esta distorção poderia mesmo abrir a possibilidade de um volte-face, com Marcelo a ser forçado a uma segunda volta.

Dito isto, qual seria a solução? Levar as urnas aos lares de idosos, como sugeriu Marques Mendes, não é solução. Para além da difícil operacionalização, excluiria a esmagadora maioria dos idosos, que por não viverem em lares não deixam de integrar o grupo de risco. Resta, então, o óbvio. O adiamento do ato eleitoral. Por muito que constitucionalistas, Marcelo incluído, se desdobrem a elencar impossibilidades, não é aceitável que uma situação como a presente se deva subordinar à incapacidade do sistema - órgãos de soberania, forças políticas, CNE - e coloque pessoas vulneráveis perante o dilema de decidirem entre a vida e a democracia.

O tema da necessidade de revisão constitucional está a ser esgrimido com demasiada ligeireza. Fazê-lo à la minute, numa breve interrupção do estado de emergência, é brincar com a mãe de todas as leis. Não está em causa o cancelamento da eleição presidencial, trata-se apenas de adiar o ato eleitoral por não haver condições materiais para a sua realização. O que se faria se houvesse um tsunami ou uma grande inundação que inutilizassem um determinado número de assembleias de voto? Adiava-se o ato eleitoral, com certeza, sem que com isso se cancelasse a democracia. Aliás, convém recordar que isso é feito quando há imponderáveis como boicotes nas assembleias de voto.

Estarei eu a comparar este pico da pandemia a um tsunami? Sim, estou. Esta é a hora de colocar a arte política e jurídica ao serviço da necessidade real, objetivável e, já agora, consensual. Por tudo isto, defendo o adiamento do ato eleitoral por um período igual ao do confinamento - ou confinamentos sucessivos -, devendo os candidatos eximirem-se de quaisquer ações de campanha nesse tempo.

Isso, sim, seria defender a democracia e a Constituição.

Deputado e professor catedrático

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