Bertolt Brecht morreu em Agosto de 1956, enquanto dirigia os ensaios de Galileu. Pura ironia. Não só o dramaturgo e encenador alemão dedicou grande parte da sua vida a escrever e a reescrever esta peça, adaptando-a aos novos tempos, como também alguns críticos a vêem como um ensaio autobiográfico, onde Brecht reflecte sobre o papel do cientista e do intelectual, questionando-se a si mesmo ao mesmo tempo que interroga o físico italiano..Embora as semelhanças entre Galileu (1564-1642) e Brecht (1896--1956) sejam forçadas, estas especulações não estão totalmente ausentes do espectáculo que hoje se estreia no Teatro Aberto, em Lisboa, com encenação de João Lourenço. Galileu, tal como ali nos é apresentado, é um "homem como todos nós", garante o encenador, "faz o que qualquer um faria". E isso inclui cometer erros, ser menos simpático em alguns momentos, deixar cair as suas convicções quando interrogado pelo tribunal da Inquisição e sujeitar-se à clausura - embora continuasse a estudar e tivesse escrito alguns dos seus melhores ensaios nos últimos da sua vida, tinha os gestos e as publicações controladas. "Não era livre", conclui João Lourenço..Com base nas três versões de Brecht marcadas por diferentes constrangimentos (em 1939, o exílio na Dinamarca para fugir a Hitler; em 1945, o lançamento da bomba atómica e o questionamento sobre a responsabilidade dos cientistas; em 1956 a corrida nuclear e a Guerra Fria), ler Galileu em 2006 é também reflectir sobre a importância da liberdade de expressão - "vivemos no tempo em que uma caricatura foi proibida por motivos religiosas, estas coisas fazem parte da nossa vida", diz o encenador. .Galileu Galilei foi um dos primeiros a perceber que, ao contrário do que dizia a Igreja, a Terra não está no centro do mundo e o Universo obedece a outras leis que não as de Deus. A peça acompanha a vida do cientista, desde a primeira espreitadela à Lua através do microscópio, até ao desiludido final. Rui Mendes interpreta o protagonista, rodeado por, entre outros, Carla Chambel, Irene Cruz, Luís Alberto, Afonso Pimentel e Rui Morrison.