A viagem americana da estrela 'rock' da filosofia francesa

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A convite da revista americana Atlantic Monthly Bernard-Henri Lévy (BHL) fez uma viagem pelos Estados Unidos da América. O objectivo era, 100 anos depois, repetir a viagem mítica de Tocqueville que deu origem a uma das obras mais essenciais de teoria política: Da Democracia na América. Em 2004 BHL viajou pelos EUA e em 2006 publicou Vertigem Americana. Foi chamado pretencioso, superficial e entediante, a estrela-rock da filosofia francesa; acusado de tirar demasiadas conclusões e de olhar pouco aos factos. Eleito pela Vanity Fair como um dos homens mais bem vestidos, BHL é rico (um dos mais 100 mais ricos em França), mulherengo e usa sempre uma camisa branca aberta o suficiente para mostrar o seu sempre bronzeado peito: um playboy intelectual.

Esta trivia intelectual é importante para se perceber que só um personagem controverso como BHL poderia fazer esta viagem: alia ao intelectual francês (crente no poder das ideias em penetrar o tecido social e político das sociedades liberais e, tendencialmente, neoconservadoras) o fascínio pelos "ricos e bonitos". Ele próprio um paradoxo semelhante aos inúmeros que descreve na sociedade americana.

Se Tocqueville foi o mote, Kerouac a fonte do seu método. O qual é "no essencial, a estrada." Ou seja, a viagem, o perder-se numa América profunda, extensa, abundante em contrastes e desajustamentos. Segundo BHL trata-se de "um gesto filosófico" onde se cruzam a reportagem, a crónica, o diário de viagem e a filosofia; momentos de profunda reflexão sobre os sistemas políticos e conversas com as estrelas (Sharon Stone, Warren Beatty, Woody Allen), os políticos (Hillary, Barack Obama, Kerry, etc), os intelectuais (Fukuyama, Hutington, etc) e os mais comuns americanos (vendedores de armas, condenados à morte, etc).

Percebe-se uma relação paradoxal entre um enorme fascínio pela ideia abstracta deste país (que representou a mais avançada e sofisticada democracia) e a sua rejeição. Uma democracia descrita em termos de obesidade generalizada: "económica, financeira, política. Uma obesidade universal... Obesidade das cidades... dos malls... dos parques de estacionamento... dos aeroportos... dos orçamentosde campanha das eleições... das empresas submetidas à lei do crescimento forçado ou à lei [...] que formulava, há vinte anos, pela boca de Michael Douglas de Wall Street, o famoso Gordon Gekko: 'greed is good; greed is right; greed works; greed clarifies; greed will save the United States....' Uma obesidade global e total. Uma obesidade que não poupa nenhum domínio da vida pública ou privada."

É um livro essencial porque revê e discute muitos dos modelos de construção das ideologias e teorias políticas actuais, e uma provocação porque está sempre a pôr em causa a validade do pensamento político dominante. Por vezes irritante na sua muito subtil tentativa de manipulação: desde Nietzsche (que BHL cita abundantemente) sabemos não haver factos, mas só interpretações, o que por vezes é esquecido e se transforma no recurso para mostrar uma América com um diagnóstico de obesidade mórbida.

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