A última divisão ideológica

Publicado a
Atualizado a

Quando José Sócrates tomou posse há seis meses mal sabia o que teria pela frente: uns dias depois, o novo Governo grego - eleito apenas uma semana depois das legislativas portuguesas - comunicou a Bruxelas que as contas públicas de Atenas não só estavam em absoluto descontrolo, como tinham sido falseadas pelo Executivo anterior. Era aberta a caixa de Pandora, que colocava os mercados financeiros em alerta absoluto.

Se, até aí, Sócrates podia ter uma leve expectativa de concretizar as bandeiras que levou às eleições, a partir daí tudo - ou quase tudo - se tornou inviável. A promessa de que não seriam aumentados os impostos, por exemplo, só no limite poderá dizer-se que vai ser cumprida (mesmo que tudo corra pelo melhor), tendo em conta os cortes que aí vêm nas deduções em sede de IRS e a nova taxa para os mais ricos; a promessa de um Governo que aposta no Estado social e na protecção dos mais desfavorecidos terá um contratempo na revisão das leis do subsídio de desemprego e dos apoios sociais, como o rendimento social de inserção.

Agora, sobram os grandes investimentos - e a convicção do primeiro-ministro de que, tanto ou mais do que o controlo das contas públicas, é prioritário que o Estado ajude a economia a recuperar. O problema é, logicamente, tanto de prioridades como de riscos. E hoje Sócrates está mais isolado na convicção de que esses projectos não terão, no futuro, um resultado catastrófico para o País.

De resto, abdicasse o primeiro-ministro dessa bandeira e pouco restaria para se diferenciar do PSD. Aí, sim, o bloco central estaria pronto para ser formalizado.

Uma questão de transparência

Ao Estado, tantas vezes acusado de não ser pessoa de bem, exige-se que dê o exemplo e que tenha como bandeira a transparência. Ora, o que recentemente aconteceu no processo de nomeação para presidente da Cimpor, a maior cimenteira portuguesa e uma das cinco maiores do mundo, é precisamente o oposto daquilo que tem de ser feito.

O Estado, através da Caixa Geral de Depósitos (CGD), detém uma participação importante na cimenteira. Terminado o mandato do anterior presidente, tentou-se a sua substituição pelo ex-ministro das Obras Públicas Mário Lino, que tinha acabado de abandonar o Governo. O presidente da CGD apostou, nessa altura, num braço-de-ferro com o Governo e ganhou. Porém, o nome que surgiu depois em cima da mesa foi o de Castro Guerra, ex-secretário de Estado adjunto da Indústria e Inovação de Manuel Pinho, e que, no Executivo, tinha justamente a tutela desta empresa.

Não está em causa, seguramente, a seriedade e honestidade de Castro Guerra. O que é questionável, não só no plano legal mas também moral, é que alguém que até há poucos meses tinha a tutela de uma determinada empresa venha agora a ocupar um lugar na administração dessa mesma empresa. Não se trata de vedar aos titulares de cargos políticos o acesso a uma profissão fora da política. Trata-se, isso sim, de fazer cumprir um princípio elementar de transparência: a existência obrigatória de um período de nojo (a lei das incompatibilidades de 1992 prevê três anos) entre o exercício de funções públicas e privadas na mesma área de intervenção.

É que, tal como à mulher de César, ao Estado não basta ser sério...

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt