A traição das elites e a revisão das teorias sociais

Dois livros analisam o estado do mundo. Um jornalista e um sociólogo analisam, respetivamente, a era do caos e o legado de Marx, Durkheim e Max Weber.
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A Editorial Presença lança dois livros logo no início do ano que se preocupam em estudar e explicar a atualidade. Em A era do caos, o premiado jornalista italiano Federico Rampini faz uma radiografia do mundo em que vivemos e conclui que "existe uma espécie de sedução pelo caos". Em Capitalismo e moderna teoria social, o sociólogo e ex-diretor da London School of Economics and Political Science, Anthony Giddens, apela à revisão das teorias sociais contemporâneas.

Se é uma coincidência a chegada às livrarias dos dois volumes em simultâneo, é, no entanto, um acaso interessante pois a "reportagem" do primeiro complementa-se a nível científico com a análise do segundo, permitindo ao leitor informar-se em 750 páginas sobre o estado do planeta a nível duplo.

Rampini inclui na tradução um prefácio à edição portuguesa, onde coloca imediatamente as linhas gerais da investigação. E fá-lo de um modo nada displicente, antes pelo contrário, em tom acusatório: "As opiniões públicas ocidentais, sem qualquer orientação, abandonadas pelos seus líderes, cada vez mais insignificantes e irrelevantes, procuram refúgio em soluções extremas." Dá como exemplo das causas da loucura atual do mundo o terrorismo, a estagnação económica, guerras civis e conflitos religiosos, não esquecendo o Brexit e a presidência de Trump. Não deixa de apontar culpados para um cenário que ao fim de dez anos de crise fez com que os "filhos ficassem mais pobres do que os pais": as elites. Que traíram porque afirmaram que a imigração e a globalização eram reguláveis e não foi o que se verificou.

A linguagem de Rampini é atrativa e não tão complexa quanto a maioria dos autores do género executam. Vai buscar exemplos claros para estabelecer paralelismos com o que quer afirmar, como socorrer-se do romance Submissão de Michel Houellebecq para explicar as "angústias francesas"; a utilização de drones pelos americanos nas suas guerras tecnológicas pelo mundo, a ação dos hackers russos e chineses, o acidente aéreo provocado pelo piloto da Germanwings, ou as grandes marcas - Google, Apple e Tesla. Não falta variedade de exemplos e linguagem fácil a Rampini para chegar à sentença de que estamos na Idade do Caos.

Quanto a Giddens, ele inclui-se na corrente atual que defende a revisão da teoria social e divide o trabalho em três grandes capítulos, com um final onde faz as necessárias propostas. Partindo dos três grandes teóricos da sociologia moderna, esmiúça em três grandes retratos Marx, Durkheim e Max Weber. A narrativa de Giddens é extremamente complexa por estar repleta de conceitos deste trio de autores com que se preocupa a 100%, tal como todos os que são chamados ao debate, mas existe uma tentativa de suavizar a dificuldade de vez em quando de modo a o leitor pouco académico não ficar de fora.

É muito curioso reparar em como o discurso facilitado da análise que é oferecida à opinião pública atualmente na comunicação social, mesmo a mais especializada, encontra aqui um outro nível de interpretação, que explica como filtrar muita da intoxicação ideológica que se tornou habitual. A influência de Marx é o capítulo final, que se lê rápido, designadamente devido à relação intelectual entre os seus escritos, os de Durkheim e de Weber, sendo que estes se ocuparam constantemente da crítica à obra do primeiro, seja a refutá-la ou a submetê-la a profunda análise.

A era do caos

Federico Rampini

Editorial Presença

304 páginas

PVP: 16,90

Capitalismo e moderna teoria social

Anthony Giddens

Editorial Presença

352 páginas

PVP: 16,90

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