Era uma vez um país... Foi assim que o primeiro- -ministro iniciou o debate do estado da Nação, qual Peter Pan na Terra do Nunca. Mentiu? Não mentiu porque acredita num Portugal feito de números que sobem e descem, de computadores, de moinhos eólicos e de meninos que falam inglês. É o seu sonho privativo e ninguém lho arranca. Uma oratória a que já nos habituou, só que agora mais a solo. Apenas isso. .Foi um debate com pouca Nação e muitos recados. Sócrates deu conta dos seus logo no discurso inicial, falando sobretudo para o interior do seu partido, procurando demonstrar que na Socratolândia o Estado Social existe e recomenda-se, convivendo com o PEC nas suas diversas versões, os cortes e os orçamentos. .O PS faz contas à factura que vai ter que pagar após o consulado deste governo, a quantas bandeiras perdidas, a quanto património ideológico espatifado. Se esta legislatura for até ao fim, o PS pós-Sócrates terá pela frente um largo deserto para atravessar, maior do que o do PSD pós- Cavaco, embora, note-se, não pelas mesmas razões. Um único aspecto os assemelha: ambos são políticos com pouco apreço pelas ideologias e com tendência a fazê-las ceder ao pragmatismo voluntarista que impregna o seu estilo de governação: "aprés moi le deluge...". .À sua esquerda, percebe-se o nervosismo provocado pelo espectro de um Bloco Central que, nas actuais circunstâncias de emergência, desvalorizaria as "pontas" e esvaziaria o discurso ideológico que as alimenta. O PC e o BE dificilmente poderiam prosseguir o seu papel de "grilo falante" se Sócrates fosse enquadrado nos limites da razoabilidade que as alianças necessárias sempre impõem. É uma conclusão possível de retirar das recorrentes intervenções daquelas bancadas denunciando o revisionismo de Sócrates, a facilidade com que compromete os valores da esquerda e o oportunismo político que o leva a alianças contra natura num imperdoável conluio com a direita..À direita, a ameaça é outra, a de uma eventual maioria absoluta do PSD, de acordo, aliás, com o que as sondagens têm revelado. Compreende-se que, a ser assim, o CDS perca parte da sua utilidade como o braço direito de um futuro governo. Talvez por isso tenha avançado com a hipótese de um bloco central alargado, em que ele também coubesse, e a ideia mais interessante e menos inverosímil da substituição do primeiro-ministro. No caso em que o PS criava ele próprio a alternativa a Sócrates e assim se mantinha em jogo. Foi o que alvitrei em Dezembro passado num artigo intitulado "A alternativa é do PS". .Tudo isto são meras especulações, porque o sistema político parece estar trancado e o debate confinado a uma sonolência cautelosa, teoricamente em nome do interesse nacional, que parece resumir-se a uma posição estática de tudo e todos. .Ninguém ignora que este governo está ligado a um ventilador e só aparentemente existe. Não é indicado para momentos destes, não está à altura das decisões que têm que ser tomadas, não tem credibilidade para garantir coisa nenhuma, não pode inspirar confiança porque todos os dias defrauda expectativas e dá o dito por não dito. .Porém, as circunstâncias particulares das diferentes forças políticas conduziram a uma opção meramente táctica: a de, para já, manter o governo com respiração assistida. O PS porque não tem golpe de rins para uma mudança interna, a oposição porque aposta no desgaste do governo e quer retardar os ónus da herança socialista, e o Presidente da República porque vai em breve a votos..O debate sobre o estado da Nação não podia, por estes motivos, ser sobre a Nação e o seu (mau) estado anímico. Posto isto, nem me espantei quando ouvi o primeiro--ministro dizer esta frase lapidar: "Os tempos não estão para pequenas vantagens."