A simplicidade é uma coisa muito complicada

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O mínimo que se pode dizer do filme de abertura do Indie Lisboa é que se trata de uma escolha exemplar: Me and You and Everyone We Know, de Miranda July, é um genuíno produto de cinema independente (americano, apoiado pelo Instituto Sundance) que se distingue pela visão original e desconcertante de um quotidiano aparentemente banal. Digamos que se fosse possível refazer a angústia de Antonioni com a ironia e o distanciamento de um Paul Thomas Anderson, o resultado seria qualquer coisa como este optimismo púdico e contagiante.

O filme tem o look de uma crónica realista que se vai transfigurando em conto quase fantástico, mas de um fantástico puramente interior, enraizado nos afectos que as personagens partilham ou tentam partilhar. Não há exactamente personagens centrais, uma vez que prevalece um curioso efeito coral, quase melodramático. Em todo o caso, tudo se desencadeia a partir dos encontros e desencontros de Richard (John Hawkes), empregado de uma sapataria, e Christine (a própria Miranda July), uma jovem que mantém um serviço de taxi para idosos, ao mesmo tempo que se entrega às suas mais ou menos insólitas artes performativas. Entre as personagens circundantes, há uma miúda que colecciona miniaturas de electrodomésticos (para o seu casamento?) e ainda os dois filhos de Richard, naufragando na recente separação dos pais, o mais novo dos quais, de sete anos, marca inadvertidamente um encontro erótico através da Internet?

Miranda July filma tudo isso com a precisão de uma observadora que oscila entre a austeridade psicológica e a sedução abstracta, porventura integrando algo das suas experiências também como artista plástica e performer.

O seu olhar possui as virtudes de uma simplicidade que não esconde a complexidade do mundo e das suas relações: Me and You and Everyone We Know valeu-lhe a Câmara de Ouro (melhor primeira obra) de Cannes 2005. O seu nome verdadeiro é Miranda Jennifer Grossinger. Escolheu o apelido "July" (Julho) porque esse é o mês em que se sente mais criativa. Simples, não é?

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