Ainda não foi neste Natal que a desembargadora Maria da Conceição Gonçalves pôs nos sapatinhos de António Mexia e de Manso Neto, representados pelo advogado João Medeiros, a prenda que eles mais desejavam do Tribunal da Relação de Lisboa - a resposta ao recurso que há três anos e meio aguardam com impaciência, para processarem civilmente o Estado e exigirem uma indemnização por terem sido alegadamente mal afastados dos seus cargos..António Mexia e João Manso Neto querem saber se o juiz Carlos Alexandre, ao afastá-los da presidência da EDP e da EDP Renováveis, em julho de 2020, decidiu bem ou se, pelo contrário, cometeu uma ilegalidade. O caso não é de somenos e pode fazer história..Quando brilhava no Tribunal Central de Instrução Criminal, "Ticão", Carlos Alexandre acolheu as suspeitas dos procuradores Casimiro Nunes e Hugo Neto contra o ex-ministro Manuel Pinho e os dois gestores Mexia e Manto Neto, que teriam subornado Pinho para obterem benefícios para a companhia elétrica. O juiz considerou que os indícios dos crimes eram "avassaladores" - tão graves e sérios que concordou em afastar António Mexia e João Manso Neto da presidência, respetivamente, da EDP e da EDP Renováveis.."Após maturada reflexão, que desconsidera toda a espuma dos dias, somos levados a concluir que os perigos invocados pelo Ministério Público e que se reconhecem não são adequada e proporcionalmente acautelados sem a imposição dessa medida de afastamento de qualquer cargo nas empresas da EDP em Portugal e no estrangeiro", escreveu o juiz no despacho. Não se ficou por aqui. Aplicou a Mexia uma caução de dois milhões de euros e a Manso Neto outra de um milhão. O advogado recorreu para o Tribunal da Relação. A juíza tinha 30 dias para responder. Mas foi deixando correr o tempo..Ao fim de oito meses, em março de 2021, à falta de uma acusação do Ministério Público, as medidas de coação extinguiram-se naturalmente. O valor das cauções foi devolvido. Mas os cargos na EDP já não podiam ser retomados..A desembargadora, extintas as medidas de coação, despertou, por fim, e respondeu ao recurso dizendo que já não havia nada para apreciar. O Tribunal Constitucional, para onde o advogado João Medeiros recorreu, notificou-a, em maio do ano passado, de que não pode renunciar ao dever de decidir. A juíza cedeu. Até marcou a data da decisão. Mas arrependeu-se à última hora. Não decidiu nada. Marcou e desmarcou a data por mais seis vezes..Até que o advogado pediu ao Supremo Tribunal de Justiça que afaste a juíza. Os conselheiros recusaram com o argumento de que ela há de decidir. Um dia. Mas não há meio. E sem que ela decida não há maneira de se saber se o juiz Carlos Alexandre não terá cometido uma ilegalidade que pode vir a sair muita cara ao Estado..O ex-primeiro-ministro só no final do próximo mês de janeiro é que vai ficar a saber por quantos crimes vai ser julgado..José Sócrates foi inicialmente acusado pelo Ministério Público de extenso rol de 31 crimes. Mas o resultado final da investigação coordenada pelo procurador Rosário Teixeira foi reduzido a pó pelo juiz de instrução Ivo Rosa - que não poupou nas palavras para classificar a acusação: "Incoerente", "pouco rigorosa", especulativa". Ao fim de dois anos e meio mergulhado nas centenas de volumes que constituem o processo, o juiz de instrução reduzia a lista de 31 crimes para apenas seis - três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documentos. Ivo Rosa diz não ter encontrado provas que justificassem acusá-lo de crimes de corrupção..O Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação e o recurso foi parar por sorteio, em fevereiro deste ano, às desembargadoras Raquel Lima, Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues. As três juízas estavam obrigadas a decidir sobre o recurso até final deste ano - se confirmam a pronúncia decidida por Ivo Rosa, se dão razão ao Ministério Público e Sócrates terá de responder pelos 31 crimes ou, ainda, se resgatam alguns crimes da acusação. Mas não conseguem dar conta do recado até final do ano..O Conselho Superior da Magistratura acaba de sair em socorro das magistradas: autorizou que duas juízas, Raquel Lima e Madalena Caldeira, ficassem a trabalhar na acusação contra Sócrates em regime de exclusividade e prorrogou o prazo para a decisão até 31 de janeiro, quarta-feira. Nem mais um dia.