Reza a História que, já lá vão mais de 2300 anos, o famoso pintor grego Apeles, a quem devemos o não menos famoso retrato de Alexandre, o Grande, costumava expor as suas pinturas na praça pública, escondendo-se atrás dos quadros para ouvir a opinião dos que por ali passavam. Quando concordava com as críticas, retirava as suas obras, refazia-as e voltava a exibi-las para novos comentários. Um certo dia, um sapateiro terá notado um defeito no modo como estava retratado o chinelo de um dos figurantes na tela e não poupou críticas a tal facto. Apeles terá então saído de trás do quadro e pronunciado a célebre frase "Não suba o sapateiro acima da sandália", que ainda hoje utilizamos quando somos alvo de críticas por parte de pessoas a quem não reconhecemos conhecimentos para tal..Vem esta pequena incursão histórica a propósito da recente visita ao nosso país do ex-CEO da General Electric, Jack Welch. O sucesso alcançado ao longo dos 20 anos da sua presidência num dos gigantes da economia mundial fala por si. Ao pé de Jack Welch, praticamente todos nós, a começar por mim, somos os "sapateiros" da história de Apeles. O quadro que Jack Welch nos "pintou" na passada semana em Lisboa é, a muitos títulos, notável pela sua riqueza, mas também pelas suas clareza e simplicidade. Mas confesso que houve um "chinelo" que me deixou, como a outros certamente, pouco convencido. Refiro-me concretamente à afirmação segundo a qual a existência de um quadro legal menos flexível na gestão dos recursos humanos - leia-se, uma legislação laboral mais restritiva - não afecta a competitividade das empresas. Para Jack Welch, "o único efeito que isso tem nas empresas é que exige maior cuidado na contratação das pessoas"; "pode custar um pouco mais e demorar mais tempo, mas consegue-se fazer o mesmo". Em conclusão, "não é um bloqueio importante para as empresas"..Manda a verdade que se diga que a questão colocada não dizia especificamente respeito à realidade portuguesa, antes pretendia contrapor o modelo europeu ao modelo norte-americano. E sabemos que, nesta matéria, Portugal ainda não está no patamar já alcançado pela generalidade dos nossos parceiros europeus. Em todo o caso, trata-se de uma visão que vem ao arrepio de tudo quanto temos lido e dito ao longo dos anos mais recentes. Falta-me aqui o tempo e o espaço necessários para rebater, com profundidade, a afirmação de Jack Welch. Mas não posso deixar de sublinhar que, num mundo hipercompetitivo como aquele em que vivemos, "custar um pouco mais" e "demorar mais tempo" já é muito. É uma desvantagem competitiva que, por si só, nos coloca numa posição de runner-up, obrigando-nos a começar a corrida alguns metros atrás numa pista que é cada vez mais curta e, por conseguinte, em que menor é o espaço para recuperarmos o atraso inicial..Não obstante a discordância de fundo, reconheça-se um mérito inquestionável à resposta de Jack Welch: obriga-nos a aprofundar as nossas reflexões sobre o tema. E, sobretudo, a procurar "compensar" a desvantagem competitiva resultante de uma legislação laboral mais restritiva através do reforço de outros factores de competitividade, nomeadamente nos planos fiscal, da qualificação dos recursos humanos ou da inovação. Infelizmente, também aí não estamos mais bem servidos? C