Depois do derrube da dinastia Chosun em 1910 pelos colonizadores japoneses, os coreanos deixaram de ter uma família real, mas a presidente agora deposta em Seul tem uma história pessoal que faz lembrar muito a de uma princesa, mesmo que a sua vida esteja longe de ser um conto de fadas..Park Geun-hye, que nasceu a meio da Guerra da Coreia, é hoje uma mulher de 65 anos, solteira e sem filhos, e sobretudo isolada. O escândalo que levou à sua suspensão e destituição (e talvez condenação) foi causado por uma velha confidente, entretanto presa. E a reação popular pelas suspeitas de tráfico de influência, apesar dos protestos em Seul de alguns incondicionais, foi de repúdio absoluto, com a sua taxa de popularidade a baixar para 5%, valores humilhantes, nunca experimentados por um líder democrático sul-coreano..Desde o início deste caso, que abala a classe política e atinge até um grupo económico como a Samsung, que muito se especula sobre a personalidade de Park, filha de um homem que na memória dos sul-coreanos tanto é um ditador como um genial governante. Não faltou quem quisesse avaliar como pesou nela a herança política paterna, mas também as mortes violentas tanto da mãe como do pai..Durante duas década, até ser assassinado pelo seu próprio chefe da segurança em 1979, Park Chung-hee dirigiu com pulso de ferro o país, reforçando a aliança com os Estados Unidos e mantendo em guarda a Coreia do Norte pró-soviética. Ao mesmo tempo, o general apostou forte na industrialização, criando as bases para o milagre económico que fez da Coreia do Sul um dos países mais prósperos da Ásia. A filha mais velha esteve ao seu lado nos anos finais, como uma espécie de primeira-dama, substituindo a mãe morta em 1974 num atentado que tinha o presidente como alvo. Foi a segunda passagem pelo palácio, onde vivera a adolescência. Um desafio duro para a princesa da política sul-coreana, mas assumido com profissionalismo, forte sentido de Estado até, como mostram as fotos com líderes estrangeiros de visita, caso do americano Jimmy Carter..Não se confunda o título de princesa atribuído à senhorita Park com o papel de reis que os Kim assumem na Coreia do Norte. Apesar de oficialmente o país ser comunista, é governado na realidade por uma dinastia, fundada por Kim Il-sung, que chegou a ser o grande rival do general Park. Na ditadura do Norte, a liderança foi passando de pai para filho e para neto, enquanto no Sul, desde a década de 1980 uma sólida democracia, só três décadas depois de o pai partir a filha chegou a presidente. E eleita..Formada em Engenharia Eletrónica, e com aulas em França interrompidos pela morte da mãe, Park tem fama de estudiosa, à boa maneira coreana. Quando cumprimentou em mandarim o presidente chinês Xi Jinping percebeu-se que andara a aprender sozinha. Sem família (o contacto com os irmãos é mínimo), sobrava-lhe tempo para aprender línguas, ela que fala inglês e francês e um pouco de espanhol. Os jantares no palácio presidencial seriam a sós..Mas se a decisão dos juízes sul-coreanos aprofunda o drama de uma mulher única, que várias vezes foi à televisão pedir desculpa ao povo, o processo mostra a vitalidade da sociedade sul-coreana, que pediu na rua a destituição da chefe do Estado. Mostra também que a classe política não está acima da lei, nem muito menos as grandes famílias empresariais. A justiça, essa, está de parabéns..A senhorita Park, educada numa escola cristã e visitante de Fátima, embora seja tida como ateia, já percebeu que não existem fadas, mesmo que os sul-coreanos continuem a acreditar que o seu país merece final feliz, uma reunificação pacífica da península. Para já, dentro de dois meses, elegem um novo presidente.