Os dirigentes do Palmeiras, popular clube de futebol fundado pela imensa colónia ítalo-brasileira de São Paulo, reuniam-se regularmente nas tardes de sexta-feira dos anos 1960. E, como bons naturais das regiões do mezzogiorno italiano - a Itália a sul de Roma -, eram ruidosos, teatrais e, por vezes, um tanto ineficazes..Uma discussão, por mais banal que fosse, poderia demorar longas e acaloradas horas, salpicadas de gestos excessivos e insultos à beira da agressão física. Naquele dia, como o assunto era mais grave do que de costume, após 14 horas de uma estéril reunião, um dos dirigentes sugeriu que, uma vez que passava das oito da noite, fossem todos continuar a discussão ao jantar. Dirigiram-se então a uma pizaria nas imediações do Estádio Palestra Itália..Dezenas de chopes, de garrafas de vinho e de pizas depois, os dirigentes saíram, sorridentes e bem-dispostos, de acordo. Completamente de acordo. E o jornalista Milton Peruzzi, da defunta Gazeta Esportiva, sentenciou em título no dia seguinte "Crise no Palmeiras acaba em piza"..Desde então, lê-se na imprensa e ouve-se nas padocas e nos botecos Brasil afora a expressão "vai acabar em piza" sempre que um poderoso é acusado de uma ilegalidade, há uma comissão parlamentar a investigar crimes de colarinho branco ou coisas do tipo. A piza tornou-se a representação da histórica impunidade brasileira..O mensalão, quando políticos do partido no poder, como José Dirceu, acabaram condenados e presos, rompeu, em parte, com essa tradição, em 2012..E a Lava-Jato, que nos últimos três anos levou para a cadeia governadores (o carioca Sérgio Cabral, por exemplo), senadores (como Delcídio do Amaral, chamado de Antônio Fagundes do Pantanal), deputados (o chefe de todos eles, Eduardo Cunha, e não só), ministros atuais (Geddel Vieira Lima ou Henrique Eduardo Alves) e do passado (o omnipresente José Dirceu ou o guru das finanças Antonio Palocci), banqueiros de topo (André Esteves), marqueteiros de luxo (João Santana) e empresários de sucesso (Marcelo Odebrecht, Eike Batista e muitos outros), nem se fala..Ao abanar as estruturas da Praça dos Três Poderes, em Brasília, e os alicerces da alta finança da Avenida Paulista, em São Paulo, a maior operação policial da história do país parecia ter libertado o Brasil da pizaria eterna em que sempre esteve sentado..Mas, no intervalo de duas semanas, o senador Aécio Neves (PSDB) viu o seu mandato salvo pelos seus pares mesmo depois de ter sido apanhado ao telefone com um corrupto a pedir-lhe dinheiro, de indicar um primo seu para receber em cash e desse primo ter sido filmado a colocar as notas no bolso e a depositá-las na conta de um amigo. E o presidente Michel Temer (PMDB), cuja carreira foi forjada na Câmara dos Deputados, só não caiu graças ao amparo dos seus antigos colegas, que consideraram inepta a acusação baseada numa conversa com o mesmo corrupto em que o chefe de Estado assente no pagamento de uma mensalidade a um potencial delator em troca do seu silêncio, indica o seu assessor especial como intermediário e este é filmado dias depois a carregar uma mala de dinheiro entregue pelo braço direito do tal corrupto - ironicamente, a sair de uma pizaria..Nessa história, o corruptor e os paus-mandados foram presos. Já Aécio e Temer continuam livres e no pleno exercício dos seus influentes cargos..Aécio foi salvo porque os senadores, e seus julgadores neste caso, temem estar amanhã na posição dele. Temer escapou porque pagou aos deputados, os seus juízes nas denúncias, em dinheiro e em tachos, pela liberdade..Ainda contaram ambos com a cumplicidade de um membro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com quem Aécio trocou mensagens criptografadas identificadas pela polícia, e com quem Temer se reuniu clandestinamente na sua residência oficial. Mendes é o protótipo do pizzaiolo que, de lenço na cabeça, cozinha a piza no forno. E Brasília continua a ser uma grande pizaria - é mais forte do que ela.