A juventude deverá abanar a COP26

Publicado a
Atualizado a

Admiro a determinação de Greta Thunberg. Já fez mais pelo combate às alterações climáticas do que muitos líderes políticos. E tem sobretudo mobilizado os jovens, abrindo assim uma janela de esperança para o futuro. No essencial, o ativismo cívico de Greta reclama que se passe das palavras aos atos e que o acordado na conferência de Paris sobre o clima, em 2015, seja efetivamente implementado.

Na próxima semana, estará em Glasgow, no quadro da COP26. Irá lembrar às delegações oficiais os pactos assinados e sublinhar que é agora ainda mais premente reduzir as emissões de carbono, proteger os ecossistemas, financiar a transição energética nos países mais pobres e mitigar os efeitos preocupantes do aquecimento global. Os sinais são claros: a década passada ficou registada como a mais quente de sempre.

Não há muito otimismo quanto aos possíveis resultados desta cimeira. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse-nos há dias que os compromissos nacionais já conhecidos, vindos de cerca de 120 países e que serão discutidos durante a COP26, ficam muito aquém do necessário para inverter a tendência atual, que vai no sentido de um aquecimento global da ordem dos 2,7 graus Celsius no final do século. Um aumento assim teria consequências catastróficas. Alguns desses efeitos já se fazem sentir, de modos diferentes segundo as regiões do globo: secas prolongadas ou tempestades avassaladoras, seguidas de inundações que arrasam tudo à sua passagem; incêndios gigantescos, incluindo nas áreas de tundra; destruição de uma boa parte da calota polar, dos glaciares e aumento do nível dos mares e da salinidade dos rios e das lagoas costeiras; perda da biodiversidade; e empobrecimento em larga escala das populações mais frágeis. Só em África, por exemplo, até 2030, as mudanças climáticas arrastarão para a pobreza uma nova vaga de mais de 100 milhões de pessoas.

Mais ainda, África é um continente que continua às escuras. A capacidade instalada para produzir eletricidade é inferior à que existe em Espanha, quando de um lado temos 1,4 mil milhões de pessoas e do outro 47 milhões. O caso africano põe em evidência duas outras verdades. Primeiro, que os países ricos haviam prometido aos mais pobres, a partir de 2020, cerca de 100 mil milhões de dólares por ano, para os ajudar na sua transição energética. Está-se muito longe desses valores. Segundo, que sem um esforço extraordinário de eletrificação de África não haverá maneira de desenvolver o continente. O potencial em matéria de energias renováveis é enorme. Faltam, porém, os recursos financeiros, os conhecimentos e as transferências tecnológicas, a vontade política sobretudo. Nesta semana, por exemplo, os ministros europeus dos Negócios Estrangeiros reuniram-se com os seus homólogos africanos em Kigali, no Ruanda, para preparar a próxima cimeira Europa-África. Falou-se da luta contra a covid-19, dos laços históricos e de parcerias políticas, do comércio, das migrações, da igualdade do género, enfim, a caldeirada habitual, preparada para agradar a todos. No texto floreado que os ministros francês, alemão, português e esloveno publicaram sobre o assunto não se vê menção à COP26 nem uma só referência à mobilização de investimentos no domínio da energia. Ora, sem eletricidade acessível e abundante não haverá crescimento económico nem desenvolvimento.

Um outro fantasma que irá vaguear pelos corredores da COP26 chama-se egoísmo nacional. No pico da pandemia, os grandes líderes e os pensadores de renome diziam-nos que passada a crise iríamos construir um mundo melhor, mais equilibrado, ecológico e solidário. O que estamos a ver é exatamente o oposto: mais nacionalismo económico, maior procura das energias fósseis e um regresso aos velhos hábitos de consumo. O homem novo que nos anunciaram é afinal o mesmo que existia antes, todavia mais egocêntrico e com uma fúria consumista renovada. É aí que Greta e os jovens como ela podem abanar a COP26 e mostrar que uma visão alternativa é possível.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral adjunto da ONU

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt