A geopolítica, as diplomacias e os desejos

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O desejo de um ano novo próspero e feliz, a par do sonho de uma geopolítica global de paz duradoura, são duas realidades correspondentes, numa diegese própria, mas que a complexidade da política internacional por norma desmente. E quase sempre por más razões. Os conflitos, guerras e as agruras que o ano de 2023 trouxe ou acentuou, na Europa e no Médio Oriente, para além de outros de menor dimensão em vários continentes, pese todo o nosso otimismo, dificilmente serão solucionados ou até reparáveis em 2024.

Os interesses dos Estados, das Organizações Internacionais e Organizações Não Governamentais (ONG) e de outros atores não estatais junto da sociedade, condicionam a balança da geopolítica global. Sempre assim foi. O poder e o território são dois termos fundamentais da geopolítica como referia Yves Lacoste. Por isso os atores internacionais utilizam as ferramentas e os mecanismos da diplomacia para pautar e ajustar as suas inerentes estratégias de poder. Que exercem e utilizam, mas nem sempre em boa verdade, em nome da paz e da segurança global. Muito menos da democracia e da liberdade.

O desenvolvimento económico e científico e as sociedades políticas da nossa era procuram agora estratégias de adaptação. Num mundo de modernidade e inovação. Em modo de tecnologia acelerada e de conexões medidas em vários Gs, escalas nanométricas, da Internet of Things (IoT) à Internet of Nanothings (IoNT), e na consequente abordagem interdisciplinar da própria Inteligência Artificial (IA). Todo o avanço científico e tecnológico em curso vai exigir dos diversos modelos de cooperação existentes nas relações internacionais, uma definição de uma diplomacia científica e técnica que incorpore e garanta os valores da sociedade em mudança. As relações comerciais e económicas a nível mundial e as escalas de competitividade e progresso, muito dependerão desta diplomacia.

A diplomacia de base humanitária é reconhecidamente das atividades mais nobres que a sociedade global espera e deseja face às urgentes situações decorrentes de conflitos, guerras, desastres e calamidades que afetam o mundo. São inúmeros os esforços desenvolvidos em décadas por Organizações internacionais ligadas a esta área, nomeadamente a ONU, através de múltiplos programas, fundos e agências especializadas. De igual modo, o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, e outros movimentos de natureza intergovernamental, assim como tantas outras ONG de inestimável projeção regional. São elas, quase sempre, o catalisador da esperança para as muitas populações desamparadas.

Por outro lado, a realidade das mudanças climáticas que afetam o planeta, obrigam a definir e a concretizar estratégias nos campos da energia, da biodiversidade, da desflorestação e dos oceanos, das migrações, dos riscos sanitários e da própria segurança alimentar. Os riscos climáticos implicam também as questões de segurança ambiental e da segurança energética, com impactos na segurança dos Estados, das regiões e das populações em geral. Também aqui as organizações intergovernamentais têm um papel cada vez imprescindível. Desde o início dos anos 70 do século passado que esta é uma preocupação basilar dos Estados e Organizações. É o futuro do nosso planeta que está em causa. A inação climática é mesmo nos dias de hoje e em lato sensu, uma infração ou mesmo um delito, a exigir a concretização de uma "justiça climática sem fronteiras".

Como escrevi recentemente no livro Vencer os Invernos os problemas das crises climáticas não terminam à porta das fronteiras de cada um dos Estados. Afetam de forma transversal regiões inteiras e mesmo continentes. Veja-se o caso do Ártico e as suas implicações para os oceanos do nosso planeta. Os mecanismos de cooperação internacional institucionalizados para as novas questões ambientais de âmbito global, poderiam prever a este nível, a realização de missões internacionais no patamar da segurança climática e energética, no âmbito técnico e científico, dirigidas especificamente para determinadas regiões. À semelhança de outras missões de apoio à paz, destacadas em diferentes partes do globo. Um modelo partilhado, amplo e credível. Para situações muitos complexas e difíceis urge assim repensar alternativas que estejam ao nível dessa mesma complexidade. O mundo está a mudar. E as organizações ou se adaptam ou vão morrendo, porque deixam de ser importantes e credíveis na resolução dos problemas internacionais. Por todos estes motivos a importância de uma abrangente diplomacia verde ou climática.

As diplomacias humanitárias, climáticas e científicas são hoje uma realidade que pelas suas competências únicas e específicas necessitam de criar espaços autónomos de atuação. Sem ambiguidades ou aporias. Se possível diferenciadas e distintas das diplomacias políticas de âmbito geopolítico ou de inerentes estratégias regionais contextualizadas. As dificuldades encontradas pelas Nações Unidas no conflito no Médio Oriente são um bom exemplo desta realidade. Têm tudo a ganhar apelando à imparcialidade entre as partes em disputa e à afirmação de credibilidade.

Neste nosso calendário de desejos, aqui fica um para o próximo ano: uma diplomacia internacional inovadora, atenta e adequada à realidade da paz, da justiça e do progresso do nosso planeta.

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