A fórmula secreta do Incrível Hulk

Família, amigos e o antigo treinador do jogador falaram à NS’ em Campina Grande, no Nordeste Brasileiro, onde o filho da terra passou a ser considerado um (super-)herói desde que foi convocado por Dunga para a selecção canarinha.<br />
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NA TELEVISÃO, ao dar entrevistas, tem olhar pausado, voz calma e o tronco inclina-se para a frente, tímido. No relvado, ele tem velocidade, força, técnica e um pontapé esquerdo portentoso, que estremece as redes da baliza e delicia os amantes do futebol. Na vida real, «é mimado, um moleque [menino] que se derrete sempre que volta a casa e vê a mãe», conta à NS’ Marli de Sousa Nascimento, a tia do jogador Hulk – Givanildo de Souza Vieira, que é considerado a mais jovem promessa da selecção brasileira de futebol. «É um moleque com um físico muito forte e um coração de ouro», graceja a tia.

Afinal, o que é que este Hulk, o jogador, tem de Hulk, o «incrível» super-herói da Marvel, criado por Stan Lee? Desde que Dunga, o treinador da selecção brasileira, o convocou, no fim do mês passado, ele caiu nas graças do Brasil. Uma rápida pesquisa pela internet fala em «pujança» e «resistência» e não deixa dúvidas de que Hulk, o jogador, ganhou espaço no mundo virtual, no do futebol e na imprensa, deixando em segundo plano o super-herói a quem deve o nome, por gostar desde pequeno das aventuras desse gigante verde. «Ele não perdia um episódio», lembra a mãe, Socorro dos Santos de Souza, de 46 anos. «Ele sempre dizia que era como o Hulk», o super-herói.

ATÉ AO MOMENTO da convocação de Dunga, Hulk, jogador, era, para o Brasil «desatento», apenas um atleta do Futebol Clube do Porto, em Portugal. Para os portugueses, o avançado estava a fazer uma «carreira brilhante» E o burburinho de que «já chamava a atenção do técnico brasileiro», que admitiu mesmo estar «de olho nele há muito tempo», começava a subir de tom. «Nós acompanhamo-lo desde o ano passado», disse o seleccionador brasileiro à imprensa, quando anunciou a lista dos convocados a 27 de Outubro. «Estava a destacar-se no Porto e na Liga dos Campeões. Manteve o mesmo nível e surgiu uma oportunidade de trazê-lo. Tem características diferentes dos outros que temos no grupo. É uma oportunidade de conhecê-lo dentro da selecção», completava.

Ainda assim, a notícia pôs muitos brasileiros a suspirar de surpresa. Até ali não faziam ideia de quem era este jogador de 23 anos, nascido e criado no periférico e humilde Bairro José Pinheiro, em Campina Grande, a segunda maior cidade do estado da Paraíba, no Nordeste Brasileiro. E, depois, por que razão, afinal, ele tinha o nome de um super-herói, se o verdadeiro é Givanildo? A imprensa tratou de explicar. E Dona Socorro, como é conhecida a mãe do jogador, diz que «nunca recebeu tantos telefonemas como agora», desde que o filho foi «chamado à selecção».

E se Dunga ajudou no marketing pessoal do jogador (em Campina Grande ele é já considerado um herói), a imprensa internacional e os elogios do ex-jogador argentino Maradona, agora seleccionador nacional («Ele é impressionante!»), ajudaram a consolidar a marca Hulk-jogador: «avançado brutal»; «pontapé-canhão»; «físico descomunal com um pontapé esquerdo que sabe dominar a bola»; um «espectáculo»; «raça»; «garra»; «confiança»; «grande pontaria».

Para o Brasil, esses são agora os superpoderes que Hulk terá de mostrar pela selecção brasileira. Em traços tímidos, o jogador, que recebeu recentemente o prémio Revelação do Ano da Associação de Jornalistas de Desporto e cujo passe está avaliado em 11 milhões de euros, garante que «não vai desiludir».

PARA OS PAIS de Hulk, ele «nunca desiludiu». «Foi sempre um menino dedicado e muito carinhoso. Nunca deu problemas», garante a mãe. Só que Hulk, corrige Socorro, afinal tinha um problema. Quando chegava das aulas «não queria fazer os deveres», e só queria «jogar à bola». «Mas nós sempre o educámos falando de responsabilidade acima de tudo», conta. A mãe da «promessa brasileira» descreve as dificuldades que enfrentou para educar sete filhos. Hulk é o do meio e o único homem.

«Na antiga casa no Bairro José Pinheiro, só havia dois quartos e tínhamos de partilhar com todos os irmãos», conta à NS’ a irmã Angélica, de 20 anos. «Hoje, graças a Deus, a vida melhorou e o Hulk ajuda-nos muito», acrescenta, explicando que agora moram no Bairro de Alto Branco, na mesma cidade. «Não trabalho mais porque o meu filho não deixa», confidencia Socorro. «Ele está sempre preocupado com o bem-estar da família», ressalva. «Quando nos vem visitar quer saber se todos estão bem; e aquela imagem de jogador forte cai. Ele é um doce», acrescenta a tia Marli.

Actualmente a morar num condomínio de luxo na Foz, o bairro mais exclusivo do Porto, com a esposa, a brasileira Irã que conheceu quando jogava no Tokyo Verdy do Japão, em 2005, e pai de Ian, de 15 meses, Hulk – que gosta de jogar PlayStation e chegou a ficar ansioso com as luzes da ribalta por não saber lidar com ela – concretizou já dois sonhos: o de dar à família uma vida melhor e o de vestir a camisola verde e amarela do seu Brasil.

Para a mãe, ele sempre «soube muito bem o que queria e teve muita força de vontade». Ela fala mesmo em «premonição» (aliás, um dos superpoderes de Hulk, o super-herói). O filho garantiu-lhe, recorda, que «um dia iria ser um grande jogador» e que nunca mais iria «faltar-lhe nada», diz emocionada. Dona Socorro lembra os tempos difíceis da infância do avançado: durante a semana «trabalhava como costureira» e ao fim-de-semana no talho, onde ajudava o marido. «Tivemos sempre uma vida simples, mas regrada. Nunca faltou nada.» A única preocupação de Socorro era quando ia trabalhar. «Quem tomou conta do meu filho foi Deus», diz, explicando que durante o dia ele ficava na rua «a jogar à bola, quando não tinha aulas», e só à noite é que o carinho familiar o fazia voltar a casa.

«Ele sempre foi exemplar. E quando eu não concordava com as amizades dele, alertava-o. Ele sempre confiou muito na família», conta a mãe, que é uma das maiores confidentes do jogador e faz questão de dizer que o filho «mamou até aos 3 anos». «Ele é muito ligado às raízes e liga-me sempre antes de jogar.»

FOI NAS «PELADAS», ou «rachas» – nome do jogo de futebol amador num campo improvisado – do Bairro José Pinheiro, onde morava, que Hulk estreou o pé esquerdo, por influência do pai, com tiros certeiros à baliza, sob o sol tórrido do Nordeste Brasileiro. «Sempre que o meu marido ia para a racha, levava o Hulk e deu no que deu. Ele nunca mais largou o vício do futebol», brinca Socorro. Com o apelido de «Racha do Cucuruta», o pai de Hulk, ainda hoje, aos 51 anos, brinca com a bola na famosa «pelada» do bairro. «O Hulk, quando nos visita, ainda joga nessas peladas», conta a tia Marli. Na época, o pai deu-lhe duas bolas: «Uma para jogar nas rachas, outra para brincar na rua», confidencia a mãe.

O jovem jogador, conhecido por ser um avançado «móvel» – começou por ser defesa esquerdo, foi médio e acabou como segundo avançado –, estudou até aos 14 anos no Colégio António Vicente, altura em que saiu do país, «com o incentivo dos pais», pelo crivo do empresário Zé Egito, para tentar a sorte no Vilanovense Futebol Clube, de Vila Nova de Gaia, no Porto – e que agora reivindica direitos pela formação do jogador.

Nessa altura, por causa do forte sotaque nordestino, Hulk, com 15 anos, recebeu a alcunha de «Pará», e já impressionava pela robusta forma física, pés grandes e força de artilheiro no pontapé. É dessa altura, também, outra premonição de super-herói. «Um dia vou jogar no Porto.» Ninguém acreditou. Um ano depois, chega ao São Paulo e no ano seguinte ao Esporte Clube Vitória, de Salvador da Bahia, onde ficou até 2005.

O ex-treinador de Hulk no Vitória, João Paulo Sampaio, confidencia à NS’ que o jogador, que então jogava como lateral esquerdo, «amadureceu muito» desde então. «Ele só pensava em marcar golos. Era explosivo, de uma força incrível, e não aceitava perder, pois dizia que a família dependia do sucesso dele.» Um dia, conta Sampaio, até se chatearam porque o ex-treinador achou que ele estava muito nervoso e substituiu-o. «Ele ficou furioso, mas eu disse-lhe que não havia ninguém que lutasse tanto por ele como eu.» Acredita que esse episódio marcou o jogador. «Ele aprendeu a respeitar o treinador.»

Foi nessa altura de amadurecimento que Hulk chamou a atenção do futebol japonês. Jogou no Kawasaki Frontale (2005-2008), chegou a ser emprestado ao Consadole Saporo e deu nas vistas no Tokyo Verdy (37 golos em 43 jogos ajudaram a consolidar o apelido de «invencível», o jogador super-herói), onde jogou até meio da temporada de 2008, quando foi contratado pelo FC Porto, por 5,5 milhões de euros, assinando um contrato de quatro anos – que ajuda a manter a família. A cláusula de rescisão actual do jogador, a maior do futebol português, é de cem milhões de euros, combinada em Agosto, quando Hulk renovou com o FC Porto por mais quatro anos. Depois, pelo azul e branco tripeiro, Hulk já ganhou o campeonato português e a Taça de Portugal.

JÁ NO BRASIL, além de ter conquistado atenção nacional, Hulk ganhou a admiração dos «clubes de base e sobretudo dos jovens jogadores que vêem nele a esperança de vencer», diz Sampaio. O ex-treinador faz questão de relembrar que o Givanildo, «sempre que regressa a casa», é presença assídua no Vitória, incentivando os jovens jogadores «a não desistirem dos sonhos». «Ele tenta partilhar um pouco da experiência e diz palavras de incentivo.» Além disso, o avançado do FC Porto tem fama de benemérito. «Ele oferece muitos presentes: traz sempre PlayStations, chuteiras e camisolas para os jovens jogadores.» A confirmar a fama, numa entrevista a uma televisão local de Campina Grande, Hulk confessou que organiza, com os amigos, «peladinhas» para angariar algum dinheiro para quem precisa.

E de que precisa Hulk, o jogador, para fazer a diferença na selecção canarinha? Usar a força de Hulk, o super-herói que leva na alma desde criança? Para Sampaio, o perfil técnico dele já é um «diferencial. Dunga gosta de jogadores versáteis como ele: tanto pode jogar como lateral ou como avançado. Depois é, a par do [também convocado] Adriano, esquerdino: só que Hulk tem um pontapé mais forte e mexe-se mais facilmente em campo. Ele vai dar-se muito bem no Mundial de 2014.»

Churrasco e camisolas bordadas na estreia

Desde que soube que Hulk tinha sido convocado para a selecção brasileira de futebol e que o seu jogo de estreia era no sábado passado, contra a Inglaterra, Maria Socorro dos Santos de Sousa, a mãe, e Marli de Sousa Nascimento, a tia, andaram numa lufa-lufa para preparar a festa.

A casa dos pais do jogador preparou-se para receber os mais de quarenta membros da família, que assistiram na televisão ao jogo particular, que o Brasil ganhou por 1-0. «Durante todo este mês, eu e a minha irmã costurámos cerca de sessenta camisas com as cores da selecção brasileira, para vestirmos todos os membros da família», disse a mãe do jogador. «Ficámos todos de verde e amarelo, com a foto do Hulk, o número e o nome dele bordado nas costas», completou a tia.

O jogo, continua Socorro, «foi um grande dia para o Bairro de Alto Branco», em Campina Grande. «Houve churrasco, refrigerante e muita alegria», disse Marli. «Festejámos e agradecemos a Deus! O facto de o meu filho poder jogar na selecção já é uma grande bênção», disse à NS’, emocionada.

O dia em que o Bairro de Alto Branco estremeceu

«Foi um grande orgulho para a família», conta a irmã do jogador Hulk, Angélica Vieira dos Santos, de 20 anos, sobre o momento em que souberam que ele tinha sido convocado para jogar na selecção brasileira. «Ele ligou para minha mãe, disfarçado de jornalista, mas ela reconheceu de imediato a voz dele», continua, explicando que o irmão «é muito brincalhão».

Dona Socorro, que fala «todos os dias» com o filho, recorda que, minutos antes de ele saber da convocação, através de uma mensagem do empresário Zé Egito, Hulk estava ao telefone com ela e ficou de ligar minutos depois. Segundo conta Dona Socorro, o filho soube «oficialmente através da internet» que tinha sido convocado. «Foi uma grande alegria, mas sempre soubemos que ele ia conseguir um dia.»

No bairro «todos vieram dar os parabéns», conta a mãe do jogador. Socorro fala das palavras de força dos amigos de Hulk, e «até do pastor Beto Palhano», da Igreja Verbo da Vida, de confissão evangélica professada pela família do jogador. «O pastor referiu o nome de Hulk no culto, porque ele é o orgulho de Campina Grande e todos ficaram felizes com a escolha.»

Ficha

HULK
Nome: Givanildo Vieira de Sousa
Posição: atacante
Data de nascimento: 25 de Julho de 1986 (em Campina Grande, Paraíba, Brasil)
Altura: 1,80 m
Peso: 75 kg
Clubes: Vitória, Salvador da Bahia (2004); Kawasaki Frontale (2005-2008); Tokyo Verdy (2007-2008); Futebol Clube do Porto (2008-2009)

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