Em 1990 a primeira Guerra Fria terminou pacificamente e a estabilidade daí adveniente beneficiou a Europa. Volvidos apenas 30 anos, parecemos estar à beira de uma nova Guerra Fria desta vez entre os EUA e a China. Uma nova Guerra Fria não é do interesse da Europa. Desde o fim da primeira Guerra Fria, o mundo mudou profundamente. Um mundo bipolar de duas ideologias hostis e sistemas económicos irreconciliáveis - como sucedeu na primeira Guerra Fria - não existe mais. A Europa deixou de estar dividida por uma cortina de ferro e o medo de se tornar o campo de batalha entre a OTAN e o extinto Pacto de Varsóvia desapareceu. A Rússia é uma potência militar mas um país médio do ponto de vista económico (com um PIB entre o da Espanha e o da Itália)..A Europa já não é o centro do mundo e o comércio transatlântico deixou de ser o mais relevante nas trocas comerciais internacionais. A nova centralidade económica mundial está a mudar para a região da Ásia-Pacífico e para o Sul da Ásia. É nessas geografias que se desenrolará a nova Guerra Fria. Os EUA querem ter um papel ativo nessa região, nomeadamente no plano do hard power militar e estão a forjar novas alianças (AUKUS) e a reforçar antigas para conter a ascensão da China (e, a prazo, da Índia). Não é do interesse da UE envolver-se nesta nova Guerra Fria na Ásia-Pacífico..As principais preocupações europeias devem ser outras. Deve continuar-se a "arrumar" a Europa, começando por consolidar a integração europeia e preparando a expansão da UE aos países dos balcãs e do restante leste europeu com quem tem acordos de associação. E reforçar os mecanismos de controlo fronteiriços e as relações com os estados-tampão (Turquia e Magrebe) que garantem que a UE não continua a ter fluxos de migração económica incontroláveis; e ter políticas de atração de jovens casais que ajude a reverter o envelhecimento da população europeia. E é fundamental criar autonomia estratégica europeia no plano da defesa, que permita independência face aos EUA, pelo menos no plano europeu..Deve-se assumir que, apesar das despesas militares conjuntas dos países da UE (198 milhares de milhões (mM) de euros, em 2020) serem mais do triplo das da Rússia (55 mM de euros), a principal força da UE não está nem estará no plano militar, reside no seu soft power. O soft power europeu advém de fatores como ser o principal doador humanitário e de ajuda ao desenvolvimento no mundo. Bem como da sua diversidade cultural, da sua sociedade tolerante, do seu sistema de bem-estar social, da mobilidade social, da criatividade dos seus cientistas e empresários, da sua força de trabalho educada, da capacidade disruptiva das suas PMEs e das suas indústrias orientadas para a exportação. A Europa é atraente por ter estabilidade política, governos funcionais, sistemas legais confiáveis e taxas relativamente baixas de corrupção - qualidades raras no mundo de hoje..E deve-se extrair lições da recente postura europeia em várias intervenções militares desastrosas dos EUA e da implosão de estados próximos como a Líbia e a Síria. É do interesse da UE utilizar o seu poderio económico e militar para impor uma pax europeia na zona mediterrânica. Não é do seu interesse envolver-se em aventuras no Indo-Pacífico, muito menos como escudeiros dos aliados americanos.. Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira