A próxima cúpula dos BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - será em Joanesburgo, África do Sul, no período de 22 a 24 de agosto. O grupo representa cerca de 40% da população mundial e em torno de 31% do seu Produto Interno Bruto. A reunião será uma das mais importantes tanto para os seus membros, como para o futuro desenho da governança global. A competição hegemónica entre os Estados Unidos e a China ganha novos contornos a cada dia. A crise climática se agrava. E muitos países emergentes não estão satisfeitos com os mecanismos associados à ordem liberal do pós-Segunda Guerra Mundial, especialmente a dependência do dólar na economia global..Além disso, a reunião ocorre em um momento em que a Rússia está envolvida em uma guerra de conquista na Ucrânia, e a China sofre pressões norte-americanas no âmbito económico, tecnológico e em relação à própria Rússia e a Taiwan. O Brasil é criticado por defender o início de um processo de paz que leve em conta a segurança da Ucrânia e da Rússia e por não apoiar as sanções norte-americanas e europeias em relação a este país. Já a Índia apoia a Rússia, mas se aproxima dos EUA, em um movimento que incomoda a China. E a África do Sul é um dos maiores aliados dos russos na África. Devido à importância das consequências regionais e globais da Guerra na Ucrânia, este tema deverá ser discutido na Cúpula de Joanesburgo..Nesse contexto conturbado que poderia significar uma redução da importância do grupo, o que se nota é o desejo de cerca de duas dezenas de países em desenvolvimento de diversas regiões do mundo de se juntarem ao mecanismo. Essa expansão dos BRICS, ao mesmo tempo que demonstra prestígio, também se constitui em um desafio para os seus atuais membros..O grupo tem na China seu principal ator e maior defensor da expansão. A Rússia apoia a expansão e enfatiza o multilateralismo. No momento atual, isso também serve ao interesse russo de demonstrar que o país não está tão isolado devido à invasão da Ucrânia e às sanções impostas pelos EUA e seus aliados. Mas a sombra das sanções estará presente em Joanesburgo. Putin não comparecerá devido ao pedido de prisão emitido pelo Tribunal de Haia por alegados crimes de guerra..Para o Brasil, a cúpula dos BRICS será o retorno do presidente Lula da Silva ao mecanismo, do qual foi um dos seus fundadores. O novo Governo tem a ambição de ampliar sua atuação no cenário internacional e valorizar as relações com o Sul Global. O Brasil, que estará em evidência por assumir a presidência do G-20 em 2024, possui relações com praticamente todos os países do mundo, mas defende uma posição cautelosa no processo de admissão de novos membros. Nesse aspeto, tem o apoio da Índia, que também se preocupa com a diminuição da sua influência no grupo. No entanto, face, principalmente, à pressão da China e ao interesse russo, a reunião em Joanesburgo deverá estabelecer uma sistemática para a incorporação de novos membros. Nesse contexto, a expansão do mecanismo e a diluição da importância de Brasil e Índia nos BRICS pode até contribuir para fortalecer a retomada do IBAS, fórum criado por Índia, Brasil e África do Sul, que se caracteriza por unir três importantes democracias emergentes, com identidades multicultural e multiétnica..Historicamente, os comunicados e declarações dos BRICS após as suas reuniões expressam uma visão idealista do sistema internacional. Eles projetam um futuro de paz e progresso económico e social. Ressaltam o Direito Internacional, democracia nas relações internacionais, diplomacia multilateral, decisões coletivas, e desenvolvimento mais justo. Ou seja, poder-se-ia representar essa visão como um sistema internacional 5D..No entanto, a cúpula de Joanesburgo se dá em um momento de instabilidade, incertezas e indefinições que desafiam essa visão idealizada. Além do mais, a desigualdade entre os países, a Guerra na Ucrânia e a competição entre os EUA e seus aliados de um lado e a China e a Rússia do outro apontam para um mundo mais conturbado e dividido. Apesar de tantas incertezas e dificuldades, a esperança é que um BRICS ampliado possa, no futuro, se constituir em um mecanismo que contribua para o aprimoramento da governança global e para um mundo multipolar, menos desigual e mais pacífico..Antonio Ruy de Almeida Silva. Almirante (Reformado). Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional..Danilo Marcondes. PhD em Relações Internacionais pela Universidade de Cambridge. Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq).