A coragem de desobedecer aos califas

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Sabe-se que nas batalhas da Mesopotâmia durante a Grande Guerra alguns indianos nas fileiras britânicas dispararam por cima das cabeças dos turcos para evitar matar muçulmanos, mas de resto foi nulo o impacte do apelo à jihad lançado pelo sultão otomano, também califa. Nem os muçulmanos indianos, nem os tirailleurs senegaleses, nem sequer os povos de língua turca da Ásia Central obedeceram a Mehmet V e à guerra santa contra a Grã-Bretanha, a França e a Rússia. Pior: os árabes cansaram-se de ser súbditos e revoltaram-se também, instigados por Lawrence da Arábia.

Passada uma década, deixaria de haver califa. E nenhuma voz pode hoje pretender falar em nome dos 1500 milhões de muçulmanos. Até porque, por trás da pertença a uma mesma religião com 1400 anos, a diversidade é enorme, a começar por sunitas e xiitas, um cisma que vem dos primórdios do islão. Mesmo entre os sunitas, é evidente o fosso cultural entre uma Tunísia que há meio século reconhece o direito ao divórcio e uma Arábia Saudita onde as mulheres não podem conduzir ou a clivagem económica entre o Qatar e o Níger; e entre os xiitas, que contraponto fazem os ayatollahs com esses ismaelitas que festejaram quando uma das suas mulheres subiu ao Everest!

Mesmo olhando para os muçulmanos que hoje vivem no Ocidente, tudo separa Ahmed Aboutaleb, autarca laico de Roterdão, dos filhos de magrebinos candidatos a jihadistas.

Al-Baghdadi, o líder do Estado Islâmico, ousou proclamar-se califa em 2014, embora dominando só partes da Síria e do Iraque. Mas apesar de ter apelado também à jihad global o seu historial guerreiro é feito sobretudo contra muçulmanos, sejam os soldados xiitas iraquianos, os alauitas fiéis a Assad ou os curdos do Iraque e da Síria que o desafiam. Já percebeu que ninguém é dono do islão. Nem mesmo um califa.

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