A cor da prova dos 100 metros - Um branco entre 71 negros

O francês Christophe Lemaitre foi o primeiro atleta branco a correr os 100 metros em menos de dez segundos
Publicado a
Atualizado a

Foi com uma marca inferior à que alcançara a 9 de Julho no Campeonato de França (9,98 segundos) que o francês Christophe Lemaitre conseguiu na semana passada a vitória nos 100 metros no Campeonato Europeu de Atletismo em Barcelona. Desta vez, com um tempo de 10,11 segundos, ficou longe do seu verdadeiro feito: inscrever o seu nome entre o restrito grupo de 71 atletas que já correram aquela distância em menos de dez segundos.

O recorde absoluto, de 2009, pertence ao jamaicano Usain Bolt, com 9,58 segundos. Ultrapassar a barreira dos dez segundos, façanha já repetida 455 vezes, poderia ser considerado um feito sem excessiva importância, mas não foi. Christophe Lemaitre foi o primeiro atleta branco a inscrever o seu nome nesse clube de sete dezenas de velocistas; e nos últimos 28 anos foi também o primeiro não negro a vencer o título europeu. Somadas estas duas «extravagâncias», amplamente noticiadas em todo o mundo, o atleta francês deixou bem claro dar pouca ou nenhuma importância à diferença mais óbvia: a cor da pele.

«É muito melhor conquistar um título do que fazer determinada marca, estou muito mais feliz por ter sido campeão europeu do que por ter corrido abaixo dos dez segundos», disse, acrescentando que o seu interesse maior é ser campeão, e não o de bater recordes. Mas não haveria volta a dar: os media encarregaram-se de referenciar especificamente a diferença do francês, à qual não poderá deixar-se de somar a pouca idade: tem apenas 20 anos e a maioria dos atletas desta especialidade só costumam alcançar os melhores valores uns anos mais tarde.
A indiferença de Lemaitre por ter entrado num clube do qual a cor da sua pele pareceria excluí-lo já valeu abordagens curiosas, como a do académico britânico Ellis Cashmore, da Universidade de Stratford, para quem o atleta não terá muita noção sobre o alcance do seu feito: o facto de ter baixado os dez segundos poderá libertar muitos velocistas brancos da barreira psicológica das estatísticas. E os negros poderão tender a aceitar que o trabalho e a dedicação é que são os reais factores mais substantivos para a excelência desportiva. Mas contra os eventuais efeitos do facto consumado sobram teses como a do norte-americano Jon Entine, que no seu livro Tabus defende que «negar alguma vantagem genética é não se render às evidências».

Na mesma direcção aponta um estudo da Universidade de Howard (EUA), que mostra haver diferenças entre negros, asiáticos e brancos quanto ao comprimento de braços e pernas, depois de medidos soldados de 17 países. Os negros tendem a ter membros mais longos, mas com uma circunferência inferior, o que afectará o centro de gravidade dos seus corpos, que seria mais alto se comparado com um branco ou asiático da mesma altura. Em contraste, os brancos possuem o tórax mais largo, o que lhes dá vantagem em desportos aquáticos.

A supremacia dos atletas negros nesta prova de velocidade já vai em meio século. É verdade que nas Olimpíadas de 1980, em Moscovo, o escocês Alan Wells subiu ao mais alto lugar do pódio, mas esses Jogos foram boicotados pelos EUA, cujos velocistas negros conquistam habitualmente a maioria das medalhas. Antes de Moscovo, a última vitória de um branco nos 100 metros tinha ocorrido nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960 – venceu o alemão Armin Hary.

Mais: depois de1980, nunca nenhum atleta branco subiu a um lugar do pódio em Olimpíadas, Mundiais ou Europeus. Christophe Lemaitre, branco e comparativamente franzino, veio baralhar o jogo.  Até ver, não é mais do que a excepção que confirma a regra.

Jim Hines
O primeiro foguete

O primeiro atleta a correr os 100 metros em menos de dez segundos (cronometragem electrónica) foi o norte-americano Jim Hines nos Jogos Olímpicos do México, em 1968, com 9,95 segundos. Este recorde durou 15 anos, até que outro norte-americano, Calvin Smith, chegou aos 9,93 em 1983. A maior polémica olímpica aconteceu em 1988 com a vitória do canadiano Ben Johnson em Seul, depois de uma rivalidade de meses com o norte-americano Carl Lewis. Johnson ganhou o ouro com o recorde do mundo de 9,79 segundos, mas viria a ser desqualificado por uso de esteróides.

Francis Obikwelu
O português da Nigéria

Portugal também tem o seu herói. Francis Obikwelu, nigeriano de origem, correu os 100 metros em 9,86 segundos nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, o que lhe valeu uma medalha de prata e o recorde da Europa, que dura até hoje. O velocista detém ainda a marca de 9,99 segundos, que constitui o recorde dos campeonatos europeus. E na mesma prova de Barcelona em que Lemaitre se sagrou campeão europeu ficou a um milésimo de segundo da medalha de bronze. A maioria dos atletas que têm o seu nome na galeria de velocistas que já correram os 100 metros em menos de dez segundos são norte-americanos, mas a Jamaica, graças a Asafa Powel e Usain Bolt, já é uma potência nesta prova.

Arnaldo Abrantes
Nova promessa lusa

Arnaldo Abrantes, 23 anos, especialista nas distâncias de 100 e 200 metros e na estafeta de 4x100 metros, é um nome emergente na velocidade portuguesa. No ano passado, em Salamanca, conseguiu a marca de 10,19 segundos nos 100 metros, que o elevou à categoria de terceiro melhor velocista português de sempre. Em 2007, no Mundial de Atletismo de Osaka, correu os 200 metros em 20,48 segundos, estabelecendo a melhor marca europeia do ano de sub-23. No ano passado classificou-se em segundo lugar nos 200 metros do Torneio das Nações Europeias e este ano chegou às meias-finais da prova de 200 metros dos Europeus de Barcelona.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt