Foi no tradicional espaço da Confeitaria Nacional - durante a segunda metade do século XIX - que se instalou um dos primeiros telefones da cidade de Lisboa. Na altura, tinha pouco uso: servia apenas para fazer ligações entre os funcionários da antiga fábrica e os do espaço que ainda hoje está aberto ao público. Com o passar dos anos, os meios de comunicação foram ganhando mais importância na vida deste típico estabelecimento da Praça da Figueira e hoje é a Internet que assume um papel fundamental, levando a Confeitaria Nacional além-fronteiras. ."Chegam-nos muitas encomendas pela Internet. Há muitos emigrantes e mesmo pessoas de outros países que nos fazem pedidos por e-mail, sobretudo de bolo-rei, mas nós não podemos enviar tudo, uma vez que a legislação de países como a dos Estados Unidos ou do Canadá não o permite", revelou Benedita Salema, directora de operações desta confeitaria, salientando que é interessante sentir o carinho de pessoas que já não visitam Portugal há anos: "Em alguns casos falamos de portugueses que já não vêm ao nosso país há décadas, mas que todos os anos sentem falta do nosso bolo-rei.".E enquanto Benedita Salema descrevia a relação estreita que a Confeitaria Nacional tem com todos os que a procuram (quer sejam emigrantes ou não), numa mesa ao lado, uma mulher de cabelos loiros - que não prestava atenção à conversa - confirmava-o: "Isabel, podia trazer-me uma fatia de bolo-rei.".A fatia que chega à mesa da cliente traz consigo cumplicidade, mas, sobretudo, um segredo de várias décadas. Uma especialidade que está ligada a esta confeitaria desde o início.."Foi a Confeitaria Nacional que trouxe o bolo-rei de Paris para Portugal e por isso conhecemos tão bem a sua receita", esclarece a responsável. Esta tradição chegou ao nosso país através do filho de Baltazar Roiz, fundador deste estabelecimento lisboeta. .Hoje, este é ainda considerado por muitos o melhor bolo-rei da capital e isso faz coque na véspera de Natal se formem enormes filas na Praça da Figueira. ."Grande parte das pessoas vem por tradição. Os avós e os pais já vinham, e não vir seria quebrar esse hábito", adianta Benedita Salema, explicando que há possibilidade de comprar o bolo-rei da Nacional neste dia sem esperar horas a fio: "Temos um quiosque no Centro Comercial das Amoreiras, o Baltazar, onde se vende o mesmo bolo. Apesar disso, sentimos que toda a gente gosta de vir à Praça da Figueira nesse dia.".Uma das funcionárias mais antigas da casa contou ao DN algumas das situações mais caricatas nesta quadra festiva. Isabel, nome pelo qual é conhecida entre os clientes, avançou: "Temos de tudo. Desde pessoas que inventam desculpas para serem atendidas primeiro às que ficam horas e horas e, quando o bolo acaba, fazem questão de dividir o seu com quem está na fila à espera"..Este sucesso é explicado pela forte aposta que a Confeitaria Nacional sempre fez. Mesmo antes de se conhecer a viabilidade deste bolo em Portugal, Baltazar Castanheiro Filho trouxe da capital francesa, em meados do século XIX, confeiteiros especializados nesta receita. A moda pegou logo e só o nome gerou alguma discórdia em determinados momentos. Isto, porque aquando da proclamação da República, em 1911, chegou a ser proposta em sessão parlamentar a alteração do nome para bolo da República, mas já na época a tradição falou mais alto e não chegou a ser feita a alteração..Os dados mais recentes mostram que na fábrica de Campo de Ourique são produzidas 20 toneladas de bolo-rei em cada Natal. Tudo é feito como no primeiro dia - "ovos de casca" e ingredientes naturais - e só uma pessoa conhece a receita, que todos os pasteleiros julgam saber.