A batalha pela China perdida na praça da paz celestial

A principal praça de Pequim, a Praça da Paz Celestial (Tiananmen, em mandarim), foi palco há 20 anos de uma violenta acção das autoridades chinesas, que pôs fim ao sonho dos estudantes da época de conjugarem as reformas políticas com as económicas.
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Os acontecimentos de Tiananmen não passam "de um texto de cem caracteres nos manuais chineses", diz em tom de confidência Yang Qi, um jovem natural da província de Guangdong, que estuda em Portugal. "Foi 'um conflito entre os estudantes e o Governo', nada mais é explicado", afirma.

Tudo o resto que se sabe ou se discute sobre o sucedido entre Maio e Junho de 1989 na China e, em particular, em Pequim, "encontramo-lo em textos clandestinos" - mas também estes não são muitos. Talvez por que o "movimento foi um fracasso", diz com ênfase comedido este jovem de 26 anos, que se exprime em português com razoável fluência.

E foi um fracasso porque os estudantes não tiveram tempo para aprender como agir na política. "Se tivessem tempo para aprender, não teriam hostilizado Deng [Xiaoping, o líder máximo na época]", afirma Wu, a viver e a trabalhar há "alguns anos em Portugal". E que, como tal, fala quase sem pronúncia.

Wu, de 32 anos, que não quer ser citado por mais nenhum nome, acredita que o principal erro foi a radicalização dos estudantes, que pôde ser usada pelos sectores ortodoxos do partido para convencer Deng, o arquitecto das reformas, de que ele próprio, o seu projecto político e o regime estavam em perigo.

Para Wu, Deng também errou. "Ele estava isolado, as pessoas que o informavam tinham os seus próprios interesses. Deng não tinha muito contacto" com os acontecimentos", com o que se passava fora do círculo restrito da liderança. Por que é que "Deng nunca disse: tragam-me os estudantes e vamos ver o que eles desejam" - é a única vez que Wu se entusiasma durante a conversa com o DN. O responsável pela política de abertura económica "queria ser diferente de Mao" - ele que foi vítima deste - "mas de facto não conseguiu sê-lo".

De algum modo, talvez os estudantes estivessem à frente do seu tempo. Ainda hoje, pensa Yang, "a nova China não é assim tão diferente da China dos tempos antigos", da China das dinastias. "A elite política permanece muito fechada, percebemos que há conflitos entre os dirigentes, entre facções, mas não se sabe quase nada". Os próprios estudantes não estiveram, eles próprios, imunes a isso. "Alguns comportaram-se como nos tempos antigos, queriam o poder, queriam controlar o movimento", pensa Yang.

"Os estudantes não pensaram nas consequências a longo prazo", defende Wu, que, com 12 anos na época, lembra os primeiros tempos do movimento, em que este era noticiado sem grandes restrições nos meios de informação oficial. Recorda-se das imagens transmitidas pela televisão do encontro entre o primeiro-ministro Li Peng, um conservador, e representantes dos estudantes.

O encontro sucedeu em Pequim, no Grande Palácio do Povo, no dia 18 de Maio. "Nada vai suceder" de positivo, afirma Wu, repetindo uma frase proferida pelo pai, técnico numa empresa da província de Guangdong, tal como os pais de Yang. Destes, a mãe é contabilista e o pai dirige uma empresa de segurança. A mãe de Wu, por seu lado, é professora.

No imediato, nada sucede. O estado de sítio é declarado dois dias mais tarde; os estudantes radicalizam declarações e atitudes. Na noite de 3 para 4 Junho, os militares ocupam as avenidas circundantes e a Praça de Tiananmen. Ainda hoje, o número de vítimas é alvo de controvérsia: 241, número oficial, ou 2600 e 3000, segundo outras estimativas.

"O movimento foi um fracasso", repete Yang. Hoje, atitudes como a de Chai Ling, uma das líderes estudantis que se exilou no Ocidente, não ajudam. Yang recorda a resposta dada por aquela quando lhe perguntaram por que fugiu da China: "Não queria morrer". Esta frase "é algo inaceitável" para Wu, que insiste na ideia de que os estudantes "não estavam preparados para o que sucedeu".

Yang, cujos pais "não falam muito disto", pensa que Tiananmen "foi importante". Ensinou às novas gerações "que não é possível" expressar paixões: "Temos de obedecer às regras e alcançar os nossos objectivos, segundo elas." O erro dos estudantes de Tiananmen foi pensarem que podiam mudar - e ganhar - a China quando o regime só queria mudar a economia.

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