A ambição que fez um ícone

Independentemente do que o futuro reserve a Lady Gaga, todo o trabalho que já desenvolveu até à data fazem dela uma das figuras fundamentais para compreender a cultura popular contemporânea
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Ainda não chegou às lojas o segundo álbum de originais de Lady Gaga e já muitos apelidam a cantora norte--americana como a sucessora de Madonna no reinado da pop. Numa era de plena globalização, de constante fragmentação de ideias com o impacto da Internet, poucos esperavam que Lady Gaga se tornasse um verdadeiro ícone pop e uma das figuras mais mediáticas da actualidade. Aliás, numa altura em que se vive uma recessão global, que está a afectar intensamente a indústria discográfica, o aparecer de um fenómeno como o de Lady Gaga (que já vendeu mais de 15 milhões de discos mundialmente) era coisa tão previsível como o tentar encontrar uma agulha no palheiro.

Justificáveis ou não as comparações com Madonna, o facto de aos 25 anos de idade a cantora já ter atingido um nível tal de popularidade planetária que levou no ano passado a revista Time a incluí-la na lista das personalidades mais influentes do ano demonstra como Lady Gaga é um fenómeno que extravasa a mera criação de singles que lideram os tops e conquistam as pistas de dança.

No entanto não se pense que o facto de ter atingido este estatuto em pouco mais de dois anos significa que a chegada ao Olimpo das estrelas pop foi um caminho fácil e rápido de percorrer. Ao mesmo tempo que batalhava em favor da sua ambição, já escrevia canções para outras estrelas pop (como Britney Spears ou a boy band New Kids on the Block) e era despedida por grandes editoras (como aconteceu aos 19 anos com a Def Jam Recordings). No entanto, o seu entusiasmo pelos grandes acontecimentos da música pop e o desejo de se tornar um deles tornaram- -na persistente na sua demanda. E hoje é raro encontrar alguém para quem o nome Lady Gaga seja um completo vazio ou que nunca tenho ouvido um dos seus temas mais bem--sucedidos.

Algo que tem distinguido Lady Gaga dos seus colegas pop desde que em 2008 se estreou com o álbum The Fame reflecte-se no controlo que demonstra em relação a tudo o que envolve o seu trabalho criativo. Da escrita das canções à escolha das roupas irreverentes que caracterizam em grande parte a sua persona, até aos cenários dos seus espectáculos, nada do que rodeia a sua acção na música é deixado em mãos alheias. E em apenas dois anos esse trabalho teve uma evolução notável.

Se nos recordarmos da digressão que trouxe Lady Gaga a 10 de Dezembro de 2010 ao Pavilhão Atlântico, em Lisboa, é notório como o mundo da cantora mudou desde o lançamento de The Fame. Se quando se estreou muitos poderiam supor que era somente "mais uma" voz no circo da indústria da música popular, que pouco teria a acrescentar a outros nomes como Britney Spears ou Christina Aguilera, na altura em que deu o seu primeiro concerto em palcos nacionais a percepção que o mundo tinha da cantora já era bem diferente. A Lisboa trouxe a megaprodução The Monster Ball Tour, definida pela própria como uma "ópera electro-pop", onde as referências vão da estética mais futurista e tecnológica a figuras como Betty Boop ou Nosferatu, sem esquecer a filosofia artística de Andy Warhol ou o imaginário ligado à ficção científica de Arthur C. Clarke.

Esse espectáculo veio comprovar não só que as canções e o imaginário de Lady Gaga têm uma dimensão bem maior da que se poderia supor no início da sua carreira, mas também a transversalidade do seu público. Hoje Lady Gaga é um daqueles exemplos que chegam a ouvintes "dos 8 aos 80 anos", independentemente do género, da raça ou das convicções individuais. Tendo em conta que a Internet fragmenta opiniões e cria dezenas de fenómenos que nunca ultrapassam o seu microcosmos, é surpreendente como a cantora de 25 anos conseguiu nos dias de hoje atingir este nível de popularidade que contribui definitivamente para o estatuto de ícone pop que hoje granjeia.

Longe vão os tempos em que protagonizava espectáculos burlescos nos bares de Lower East Side, em Nova Iorque, entre travestis e go-go dancers, envolvida em drogas, depois de ter abandonado a Tisch School of Arts para se dedicar a tempo inteiro a uma carreira na música, já que desde cedo viu que era em palco que poderia desenvolver melhor o seu trabalho. A música foi também a sua ambição desde criança, começando por tocar piano aos cinco anos e aos 14 já dava pequenos concertos em clubes de jazz nova- -iorquinos, acompanhada pela mãe.

Quando a cantora ainda respondia pelo nome Stefani Joanne Angelina Germanotta já existia a ambição de se tornar a persona Lady Gaga. Mas a dimensão de popularidade tão desejada só chega na sua plenitude quando lança o EP The Fame Monster, colecção de oito canções lançada em Novembro de 2009. O primeiro tema retirado desse disco, Bad Romance, chega ao topo das tabelas de singles mais vendidos em 18 países. Com este tema torna-se a primeira artista nos EUA a ter três singles (ao lado de Just Dance e Poker Face) a ultrapassarem os quatro milhões de cópias digitais. O segundo tema retirado de The Fame Monster, o dueto com Beyoncé em Telephone, volta a repetir o fenómeno global.

Somam-se prémios atrás de prémios e vinca de forma definitiva a sua mensagem firme de apoio à comunidade LGBT e de igualdade e integração dos excluídos (não apenas pela orientação sexual) tornando estas ideias a base da sua música e da sua persona artística. É então que embarca na megalómana The Monster Ball Tour, ao mesmo que começa a trabalhar no tão aguardado segundo álbum de estúdio, Born this Way, que chega esta segunda-feira às lojas. Dele já foram revelados quatro temas, dois deles com direito a telediscos de grande produção como a cantora tem habituado o seu público desde Bad Romance. Todavia as opiniões já não são tão consensuais como no passado, mas um ícone pop é também aquele que com o seu trabalho consegue marcar o seu tempo, independentemente da divergência de opiniões que este suscite.

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