2018 será o ano de "dois loucos" começarem a guerra nuclear?

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Quando o líder supremo da Coreia do Norte decidiu comunicar, numa mensagem de Ano Novo ao povo do seu país, ser já capaz de lançar ogivas nucleares para todo o território norte-americano, estava, igualmente, a pretender anunciar ao mundo um estatuto para o seu país equivalente ao da defunta União Soviética: uma potência com suficiente capacidade militar dissuasora para evitar que a maior força bélica do mundo, na posse do rival Estados Unidos da América, procedesse a qualquer ação militar direta contra o seu país.

Kim Jong-un, apesar de misturar este anúncio assustador com palavras de apaziguamento e, até, uma oferta de desanuviamento do ambiente político com a Coreia do Sul, abre o ano de 2018 a confrontar a humanidade com a possibilidade mais rápida de liquidar a existência civilizada da espécie: a guerra nuclear.

Não nos podemos sentir seguros sabendo que a bomba nuclear está na posse de vários países cujo envolvimento permanente em pequenos e grandes confrontos, diplomáticos, económicos, políticos ou militares, cria condições, pretexto e mobilização para o conflito armado, regional ou global, e para uma escalada ascendente de violência até ao desastre final, ou seja, até à utilização da bomba nuclear.

E se, com a arrogância ocidental herdada dos tempos imperiais, costumamos recear mais potências nucleares asiáticas como a Índia e o Paquistão do que homólogos países europeus como a Inglaterra e a França, a verdade é que nada nos garante, de forma objetiva, que os travões contra a utilização desse tipo de armamento sejam mais eficazes no hemisfério norte do que no sul.

Há também armamento deste tipo em Israel, suspeita-se que possa existir no Irão, receia-se mesmo que mãos terroristas tenham alcançado a posse de armamento desse tipo. As grandes potências mundiais, China, Rússia e Estados Unidos da América, têm poder destrutivo suficiente para quase acabar com a vida no planeta Terra e não se tem a certeza se, em outras repúblicas saídas da União Soviética, não sobrou, "esquecido", algum arsenal desse tipo.

Apesar de tudo, como moderador do impulso de deflagração de um conflito nuclear, confio mais no bom senso dos militares, que têm uma noção quase exata das consequências da utilização desse tipo de armamento, do que no pensamento dos políticos, grande parte deles capaz de decidir uma ação dessas apenas para conquistar ascendente, pelo medo, no seu país ou no mundo.

As únicas bombas atómicas usadas, até agora, em ato de guerra foram lançadas, no espaço de três dias, pelos Estados Unidos sobre duas cidades do Japão, no final da II Guerra Mundial, em agosto de 1945.

Se as consequências da primeira bomba lançada sobre Hiroxima poderiam não ser totalmente previsíveis (80 mil mortos após a explosão), a sua deflagração deu dados suficientes para se saber o que aconteceria com o lançamento do segundo engenho. Em Nagasaki quem mandou lançar a bomba sabia que ia matar, de uma vez só, perto de 80 mil pessoas.

A ordem foi dada pelo presidente Harry Truman, supostamente para acabar rapidamente com a guerra com o Japão, mas que pretendia também influenciar o resultado da cimeira de Potsdam, onde americanos, soviéticos e ingleses decidiam o futuro da organização do mundo.

Deflagrar bombas nucleares, matar dezenas de milhares de pessoas para obter vantagens diplomáticas não é, portanto, inédito neste mundo.

A manutenção da proliferação de armas nucleares e a degradação da liderança mundial, muito mais fluida do que há 26 anos, torna bastante mais provável a utilização intempestiva deste tipo de armamento do que no tempo da Guerra Fria saída da Segunda Guerra, onde os equilíbrios entre potências e a sua influência no mundo evitaram, várias vezes, o desastre.

E, no entanto, as manifestações pacifistas, os artigos na comunicação social, os filmes-catástrofe, as canções populares e as denúncias apaixonadas contra o perigo da destruição da humanidade mobilizam, hoje em dia, muito menos pessoas e meios do que quando socialismo e capitalismo lutavam pelo domínio da sociedade.

Desde que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos que oiço muita gente dizer: "Olha, lá está um louco capaz de carregar no botão." E desde que Kim Jong-un desatou a experimentar mísseis como alegado contraponto às manobras militares conjuntas dos americanos com a Coreia do Sul, que oiço quase todas essas mesmas pessoas declarar: "A Coreia do Norte é liderada por um louco capaz de tudo, até de lançar a bomba!"

Teremos assim, para esta vox populi, dois loucos no poder em dois países com megatoneladas de explosivos nos paióis. Um deles dirige o Estado mais poderoso do mundo e repete dia a dia imprudências e estupidezes; o outro comanda um país onde a decisão do chefe, por mais irracional que seja, não se discute. Ambos têm, para citar o líder norte-coreano, "o botão nuclear na secretária".

Talvez seja um problema de falta de memória, talvez seja por deficiência de informação, talvez seja uma inconsciência impotente, não sei, mas nada vejo nos movimentos da opinião pública mundial que possa ajudar a prevenir, travar e atalhar este caminho para a destruição atómica. A pressão sobre os "dois loucos" que as populações de todos os países, da comunicação social, das instituições internacionais, da ONU estão a fazer para impedir o caminho até ao confronto militar é, parece-me, claramente insuficiente. Pelo contrário, este silêncio e esta inatividade começam a abrir espaço para a aceitação, resignada, de uma guerra desse tipo - e, até lá, andamos entretidos com as gafes divertidas de Trump e a propaganda mirabolante contra Kim Jong-un.

É esta passividade, que nos pode levar ao abismo, uma coisa estranha? Não. Afinal, tem a mesma raiz da inação que impediu, passados 72 anos, a que pelo menos a bomba atómica sobre Nagasaki fosse considerada pela opinião pública internacional como um crime contra a humanidade. Não é, e isso diz muito sobre o mundo de hoje.

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