O seu mandato como presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve terminou em dezembro de 2022 e desde aí manteve-se no cargo. Agora foi conhecida a decisão de não a reconduzir no cargo. Ficou surpreendida? Fui apanhada completamente de surpresa pela nomeação deste novo presidente do conselho de administração, desde logo porque a minha equipa irá continuar, o que comprova o bom trabalho feito ao longo deste mandato. Não posso negar o orgulho nesta equipa, que teve o reconhecimento para continuar o bom trabalho que desenvolvemos até aqui. Espero que continuem a desenvolvê-lo da melhor forma..Que balanço faz do seu mandato enquanto presidente do Conselho de Administração do CHUA? Iniciámos funções em julho de 2020, em plena pandemia. Tempos de muita dificuldade, a que respondemos com alteração de processos e planos de contingência, e a criação do hospital de campanha com capacidade para 100 doentes. Fomos a solução para a região e para os distritos de Lisboa, Setúbal e Beja. Éramos duas médicas especialistas, com médicos internos de diferentes especialidades (Psiquiatria, MFR, Pediatria) e alunos do 6.º ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Algarve, os melhores..Neste mandato diminuímos o défice orçamental em mais de 40%, reduzidos na quase totalidade os pagamentos em atraso e tornámos o capital próprio do CHUA positivo. Aumentámos a atividade assistencial em todos os indicadores, para o melhor registo de sempre, designadamente em cirurgias e consultas médicas, e temos hoje urgência de Psiquiatria na Urgência Geral da Unidade de Faro, um hospital de dia para as demências em Portimão e consultas e terapêuticas de Pediatria também em Portimão..Algum projeto mais emblemático além do que já referiu? Sem dúvida, o Centro Oncológico da Região Sul (CORS). Pela primeira vez, os doentes oncológicos do Algarve terão, na região, diagnóstico, estadiamento e tratamento da doença oncológica num só espaço, pertencente ao SNS, evitando deslocação a Espanha ou a privados, uma vez que Lisboa já não tem capacidade de resposta, razão pela qual o CHUA se viu obrigado a abrir concursos públicos internacionais para a adjudicação de exames e tratamentos de medicina nuclear e de radioncologia, no valor de 5 milhões de euros anuais. Os municípios de Faro e Loulé, através da sua Associação de Municípios do Parque das Cidades, encontraram um terreno nas imediações do futuro Hospital Central do Algarve, que nos cederam para a construção deste projeto. A CCDR Algarve, junto da União Europeia, conseguiu cativar fundos que permitissem a construção e equipamento deste centro oncológico, e o nosso primeiro-ministro comprometeu-se publicamente, assinando um texto de sua autoria, em março de 2023, onde reconhece a importância deste projeto e o apoio incondicional, assumindo-o como uma realidade em breve..É habitual ouvir-se falar da dificuldade em contratar médicos e enfermeiros para o Algarve. Que explicações tem para este problema? Tem a ver muito com o custo de vida, com o custo das casas e com a dificuldade de arranjar casas que se possam alugar anualmente. De todo o modo, penso que tem havido um esforço nesse sentido, mesmo com a ajuda das autarquias. Porquê? Porque, das casas que têm vindo a ser construídas ao abrigo do PRR, já temos o compromisso de algumas autarquias de reserva de algumas dessas casas especificamente para profissionais de saúde, professores, forças de segurança e, portanto, pode ajudar..O que se poderia fazer mais para cativar os médicos ou os profissionais, no geral? Acho que deveríamos olhar para o Algarve um bocadinho como sendo a exceção também das regiões autónomas, porque é uma região que é fim de linha e que, no fundo, dali os doentes só podem vir para Lisboa. E estamos a falar de cerca de 300 quilómetros, que, na realidade, estes 300 quilómetros não podem ser medidos em quilómetros, mas devem ser medidos em horas..CitaçãocitacaoDeveríamos olhar para o Algarve um bocadinho como sendo a exceção, também, das regiões autónomas, porque é uma região que é fim de linha e que, no fundo, dali os doentes só podem vir para Lisboa..Salvo erro, não há nada mais perto do que a uma hora e pouco. Sim, mas se for de carro. Se for de transportes públicos é muito pior. E há a dificuldade para transferir os doentes devido a algumas especificidades. Não é só nossa, devo dizer-lhe, por exemplo, que no Alentejo acontece exatamente o mesmo: na época de verão, em que os fogos são, infelizmente, uma realidade no nosso país, os bombeiros, que são grande parte dos nossos prestadores que fazem estes transportes de doentes para Lisboa, estão todos alocados aos fogos e, portanto, não há quase ambulâncias, a não ser as que estão a prestar serviço ao INEM. E isto é uma dificuldade para transferir doentes dali para Lisboa, como é do Alentejo, para qualquer outro sítio e, portanto, esta é uma realidade diferente daquilo que estamos a falar do resto do país, pela distância..Portanto, deviam existir essas políticas excecionais para uma situação excecional? Sim, porque se queremos manter aquilo que temos tido de turismo de eleição no Algarve, a saúde faz parte desses requisitos. E se tivermos uma boa saúde, certamente teremos um turismo também robusto. Portanto, há uma série de requisitos, não podemos olhar só para isto como querendo muito aumentar o turismo, mas não querendo fazer nada pelas outras áreas. Não, tem de se olhar como um todo. E existem mecanismos nas regiões autónomas para isto, não teríamos de inventar nada de novo..Mas, apesar de tudo isto, há projetos e investimentos a andar. Claro que sim. Devido à expectativa de poder haver um Hospital Central no Algarve, que se espera há mais de 20 anos, acabou por não haver um investimento na renovação dos equipamentos. Portanto, os que temos ficam obsoletos rapidamente. Portanto, a renovação habitualmente são três anos e agora cada vez mais. Então, o que é que foram os investimentos? Primeiro, um dos mais importantes, a angiografia, parece uma coisa que não tem nenhuma repercussão, mas por que é que é importante? Porque o Algarve tinha uma via verde AVC, mas que não era completa, e os doentes quando precisavam de um tratamento que se chama trombectomia tínhamos uma janela terapêutica de cerca de seis horas desde o início dos sintomas até que estava a fazer esse exame em Lisboa. Ora, como imagina, muitos destes doentes perdiam a oportunidade terapêutica. Neste momento no Algarve, os nossos doentes, bem como os doentes do Baixo Alentejo e do Litoral Alentejano, têm acesso a esta via verde completa e isto é um avanço muito grande em termos de qualidade de cuidados prestados. Outra das situações é que o Centro Hospitalar Universitário do Algarve tem o primeiro TAC espetral. É o primeiro a nível nacional que foi instalado no SNS. Este TAC espetral pode fazer o estudo coronário, o estudo cardíaco, que antigamente era feito apenas por métodos invasivos. Em sete minutos este equipamento permite fazer o estudo sem ser invasivo, ou seja, é um estudo de imagem normal como qualquer outro TAC..A investigação também é um dos pontos que tem estado a subir devagarinho, mas com um grande salto entre 2022 e 2023. Sim, temos tido um grande aumento. Obviamente que ali, durante a covid, a investigação, de modo geral em todas as instituições, decresceu muito, porque obviamente não era a prioridade, mas temos vindo a aumentar e, neste momento, temos muito mais ensaios clínicos abertos na instituição. Estamos agora a chegar perto dos 30, quando começámos com cerca de oito ou dez ensaios..Tudo isto também gira à volta daquilo de que se fala muito, que é a reforma do Serviço Nacional de Saúde. Que expectativas tem para essa reforma? Acho que existe uma vantagem muito grande na Região do Algarve: primeiro porque, não sendo se calhar do conhecimento público, é talvez a única região que tem um único centro hospitalar; por outro lado, na perspetiva em que vemos as ULS, que seja realmente uma integração de cuidados, mas também na área da promoção, porque o que queremos é que as pessoas não fiquem doentes. Quanto menos doentes o SNS tiver mais sustentável é. E este é um modelo fantástico em termos regionais. Porquê? Porque toda uma região vai estar sob as mesmas orientações e acho que vai permitir fazer projetos muito interessantes. Portanto, talvez seja assim o desafio maior de toda esta reforma, talvez seja mesmo no Algarve..Mas todos os problemas de que tem falado, da distância, etc., vão mais ou menos manter-se. Como é que as populações vão poder beneficiar dessa concentração? Durante este mandato tentámos aproximar os cuidados das pessoas. O que é que fizemos? Com o apoio das autarquias, nomeadamente a nível de transporte com viaturas elétricas que nos foram cedendo, levámos equipas médicas aos centros de saúde. Por exemplo, o projeto-piloto que fizemos, chamado CHUA Mais Proximidade, foi com a Pediatria e surgiu de uma necessidade. Tínhamos crianças que nasciam de uma população muito específica que vivia na zona de Vila do Bispo e que tem uma taxa de vacinação e de acompanhamento médico baixa. Passámos a levar lá o pediatra e enfermeiro do hospital que juntamente com os enfermeiros do centro de saúde utilizavam as carrinhas de saúde e se deslocam para visitar as crianças. Este projeto correu muito bem, alargámos depois para os cuidados paliativos também e era nosso desígnio, agora com o ULS, expandir isto muito mais. Outro projeto que está pronto a avançar é na Ilha da Culatra, porque há uma população que seguimos muito a nível da Medicina Interna com a diabetologia. A ideia é que, uma vez por semana, a nossa equipa de enfermagem e o médico vão ao encontro dessas pessoas e podermos dar um acompanhamento específico a esses doentes. Vamos inaugurar, daqui a uma semana, o novo centro oftalmológico de alto volume para resolver o problema das listas de espera da Oftalmologia, e pensamos que em dois anos estaremos com capacidade de dar resposta também às necessidades, por exemplo, de cidadãos estrangeiros que queiram vir especificamente fazer o seu tratamento connosco, em Lagos..Tudo isto é quase uma revolução nos cuidados de saúde no Algarve... Sim, foi uma revolução no modo de se fazer, foi uma revolução no modo de se pensar sobretudo, porque estamos habituados a que as administrações hospitalares olhem muito para o hospital, ou seja, é muito o que as pessoas dizem, de as ULS serem hospitalcêntricas, que é pôr tudo dentro do hospital. Não, não queremos ninguém no hospital, por isso, porque é difícil chegar ao hospital. Por exemplo, vai ser possível até ao final do ano, as pessoas todas no Algarve poderem fazer as suas análises clínicas, quer pedidas pelo seu médico do hospital, quer pedidas pelo médico do centro de saúde, nos seus centros de saúde. Apostámos muito na hospitalização domiciliária, que já existe há muito tempo, não é nada de inovador. O que é que foi inovador? Fizemos protocolos com as estruturas residenciais para pessoas idosas. Neste momento posso dizer - e aqui com orgulho de todos os que estão neste projeto - que somos o hospital com o maior número de doentes em hospitalização domiciliar a nível nacional..CitaçãocitacaoNão temos de ter todos os mesmos horários, não devemos todos ganhar a mesma coisa, porque nem todos fazemos a mesma coisa. E atualmente as pessoas aquilo que valorizam é o quê? A sua vida pessoal e familiar..A medicina privada retira profissionais ao Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no Algarve? Retira aqui e em todas as regiões. Primeiro, tem uma capacidade de contratação diferente da nossa e depois porque atualmente os profissionais, têm uma visão muito diferente daquela que era, por exemplo, a da minha geração e gerações até anteriores à minha. Vivíamos a medicina quase como um sacerdócio, que também não acho que seja, mas realmente vivíamos muito a nossa obrigação enquanto médicos e a dedicação. Atualmente, as pessoas têm, além desta visão que muitos manterão também de acreditar no SNS, o desejo de ter um SNS com uma capacidade e uma flexibilidade diferente. Não temos de ter todos os mesmos horários, não devemos todos ganhar a mesma coisa, porque nem todos fazemos a mesma coisa, não temos todos a mesma diferenciação. E atualmente as pessoas aquilo que valorizam é o quê? A sua vida pessoal e familiar, que passámos muitos anos a descurar, hoje isso é muito importante para as pessoas, portanto, como balanço daquilo que é a sua atividade profissional. Acho que se poderia permitir aqui ter esquemas mais flexíveis de contratualização. No SNS o horário é de segunda a sábado, ou seja, das nove às cinco. Não é este o modelo, não é isto que vai atrair os jovens a ficarem no SNS. Temos de ter objetivos, as pessoas têm de sentir que são reconhecidas pelos seus objetivos, e os objetivos não são números..Mas é uma das questões que tem de entrar nesta reforma do SNS, não é só as unidades locais de saúde. Como é óbvio. Acho que a questão poderá passar pela autonomia de contratualização de recursos humanos. Até lhe digo que a região não é só Algarve, é o Algarve com o Litoral Alentejano e o Baixo Alentejo. Porquê? Porque muitas vezes partilhamos recursos e às vezes socorremo-nos uns aos outros. Porquê? Porque temos a mesma dificuldade - que é chegar a Lisboa - e, portanto, temos de nos ajudar uns aos outros. Isto é trabalhar em rede. E depois tem de haver uma estratégia nacional da renovação dos equipamentos. Porquê? Porque não posso ter investimento nos grandes centros hospitalares e depois os outros centros hospitalares que estão mais à periferia ficarem sempre à espera. Portanto, se não apostar aqui, se não apostar na renovação tecnológica, se não apostar na diferenciação, não vou captar recursos. As pessoas têm de se sentir motivadas a ir e, para ir, têm de sentir que têm as mesmas oportunidades de tratar os seus doentes como têm nos outros centros. Qual é a forma de o fazer? É simples. Por que é que transfiro os meus doentes do Algarve para Lisboa? É muito mais simples pedir a uma equipa de Lisboa para vir operar ao Algarve. Não é uma questão de falta de capacidade, porque temos blocos, temos intensivos, temos essas coisas. Claro que há exceções, como os transplantes: estes são efetuados em centros específicos de alto volume, é outra coisa completamente diferente. Porque se trouxer uma equipa, opero cinco ou seis doentes, mas se transferir doentes, eles vão operar um doente dos meus no meio dos outros doentes deles. E para o doente aquela deslocação é penosa. Ficam lá, não têm família, estão isolados..cferro@dn.pt