'O FILHO DE SISSI NÃO SE SUICIDOU'

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Catalina de Habsburgo. A arquiduquesa da Áustria, neta do imperador Carlos I, esteve em Lisboa para apresentar o livro que escreveu sobre a vida da sua tia-avó, a mítica e imperatriz Isabel. Uma obra que revela que o arquiduque Rodolfo foi assassinado em Mayerling e não se suicidou conforme a versão oficial

É difícil ser imparcial quando se escreve um livro sobre uma pessoa da própria família?

É difícil. Foi justamente por ter um problema em entender a imperatriz que utilizei uma terceira pessoa para falar por mim - a condessa húngara - porque queria ser o mais objectiva possível. Esta dama de companhia é uma personagem muito "apaixonada" pela imperatriz, muito próxima dela, muito dedicada e por isso não deixa ver algumas facetas do seu carácter que são muito narcisistas e egocêntricas. Por vezes ela é muito dura com as pessoas à sua volta e a condessa um pouco branda com os seus principais defeitos, pelo amor incondicional que sentia por ela. Foi assim que me escondi atrás de um personagem fictício para poder descreve-la melhor.

Apesar de ser o imperador Francisco José, não foi tão analisado como a sua mulher?

Existem mais livros sobre o imperador Francisco José do que sobre Isabel porque historicamente foi o reinado mais longo da casa de Habsburgo e também o reinado que significou o princípio do fim. Perdeu o império alemão e com ele aconteceu a primeira grande perda não só da Alemanha mas também de Itália. Este imperador é a chave de toda a história da família Habsburgo. Só que é mais atractivo escrever um livro sobre Isabel do que sobre Francisco José. Ela tem um enorme carisma e tornou-se um mito e os mitos não morrem. O seu marido é uma figura mais atractiva para os historiadores mas menos para a história.

O livro começa no Outono de 1889 baseado em cartas que relatavam a tragédia. Porquê uma história sobre o lado negro da sua vida?

Queria desvendar a sua verdadeira personalidade. De uma mulher que foi infeliz logo desde a lua de mel. Ela era aquele tipo de pessoa tão exigente consigo própria que queria controlar o seu corpo e a sua mente e sentia-se muito torturada. Toda a sua vida é uma contínua procura de serenidade e paz que só encontrou a 10 de Setembro quando morreu. Não descrevo as tragédias dela mas sim a sua vida.

O que há de novo neste livro sobre Sissi?

Sissi nunca foi uma alcunha utilizada na casa real ou entre a família. Por isso nunca a uso na obra. Existem muito factores novos. Penso que as pessoas ao lerem este livro finalmente compreendem o que aconteceu em Mayerling. O porquê de Carlota da Bélgica, a mulher de Maximiliano, imperador do México, ter ficado louca? Porque corria o rumor de Catarina Schratt ser amante do imperador Francisco José e porque desapareceu no meio do oceano atlântico o arquiduque João Orth. Qual a verdadeira relação entre Isabel e o conde Gyula Andrássy que tornou o império com "duas cabeças" uma realidade: a Áustria e a Hungria. Nunca ninguém fala desta estranha mas muito terna relação. Foram necessários três anos de pesquisa e tive a sorte de ter os arquivos da família à minha disposição para trazer uma nova luz a esta história.

Acha que a separação da imperatriz Isabel do filho Rodolfo logo à nascença muda o curso da história?

Rodolfo procurava na sua mãe aquilo em que era igual a ela. Rodolf tinha o mesmo carácter, era um homem livre, nunca aceitaria submeter-se ou ser subordinado a ninguém. Compreendia e amava a sua mãe mas não podia conviver com ela, eram demasiado parecidos. Duas pessoas que procuravam a liberdade e com mentes livres, o que era impossível num império tão velho e governado por leis muito antigas. Tudo era muito burocrático e ambos queriam mudar o mundo. Mas não tiveram nenhuma relação e só depois da sua morte é que a imperatriz se dá conta que tinha perdido o filho e que tinha sido um pouco culpada pelo que aconteceu. Mas quando Rodolfo nasceu estava muito doente, muito depressiva e não era capaz de estar a seu lado. Tento dizer no livro que há muitas coisas que se podem explicar na vida porque acontecem muitas desilusões, como é o caso dela que perdeu tantos entes queridos. Também sofreu muito psicologicamente.

Porque foi o Vaticano informado que a morte de Rodolfo foi suicídio? Qual o interesse nessa teoria?

A teoria da suicídio era imprescindível porque a notícia de um assassinato naquela época teria gerado uma guerra civil na Áustria. A situação era tão dramática e tensa que o assassinato do herdeiro seria o fogo da catástrofe. Decidiram em comum acordo fazê-lo passar por um suicídio de amor e para isso transformaram o seu filho numa pessoa perturbada e débil e a imperatriz dispôs-se a manchar o nome do seu filho para proteger o seu povo. Foi impressionante descobrir que com essa decisão o imperador nem poderia dar um funeral cristão ao seu único filho varão. Por isso mandou o famoso telegrama ao Vaticano explicando que foi um assassinato. Encontrei alguma correspondência na Bélgica trocada entre o imperador e o seu irmão porque as famílias mais chegadas sabiam o que tinha acontecido.

Quem foi o assassino?

A minha avó dizia que por trás do assassinato esteve Clemenceau (ministro francês, inimigo declarado dos Habsburgo) mas não há nada de conclusivo sobre isso. As pessoas com quem Rodolfo estava envolvido tentaram convencê-lo a matar o pai e ele recusou. Era contra as ideias políticas do seu pai e queria mudar muitas coisas mas não matar o imperador e morreu para o proteger. Foi o que o Francisco José disse ao meu avô Carlos I.

Isabel casou por amor, ou casou com um homem por quem nutria apenas respeito e admiração?

Casou por amor. Tenho a certeza.

A imperatriz é muito diferente da personagem interpretada pela actriz Romy Schneider. Como a definia?

Além de uma anorexia física tinha também uma anorexia mental. Tentava ser uma imperatriz mas não conseguiu. É estranho mas estava nos genes e ainda hoje aquela família é muito discreta, tímida e adora a simpli- cidade. Era um anjo perseguido por demónios. Tinha tudo mas era como se todas as fadas do mundo se encarregassem dos seus desejos e no final teve todas as desilusões possíveis. A senhora mais admirada do mundo queria uma vida tranquila e tinha medo até de um fotógrafo. Detestava Viena e era odiada porque o povo não a considerava uma boa imperatriz. Basta ver que nos últimos 25 anos da sua vida não foi a uma cerimónia oficial, uma recepção ou um jantar. Quando morreu estiveram menos pessoas no seu funeral do que no funeral do seu filho.

A família da Primeira Grande Guerra

Os Habsburgo. No fim Primeira Guerra Mundial foram depostos com a formação de novos países

O sucessor do imperador Francisco José seria em linha directa o seu filho Rudolfo não morre-se o herdeiro em Mayerling, em 1889. Seguia-se na linha de descendência o irmão, Carlos Luís, que morreu também. Na ordem de sucessão ficou então o sobrinho do imperador, Francisco Fernando assassinado em Sarajevo, em 1914, desencadeando a Primeira Guerra Mundial.

Os Habsburgo foram uma das famílias mais importantes da história da Europa. Rodolfo I subiu ao trono e reinou sobre o Sacro Império Romano-Germânico de 1273 a 1291. Com a morte de Rodolfo I foram afastados pela poderosa casa de Luxemburgo e excluídos dos assuntos do império. Mas sua a extinção permitiu aos Habsburgos recuperar a coroa imperial. Governaram a Hungria e a Boémia de 1526 a 1918. Nápoles, Sicília e Sardenha, o auge do poder sucedeu em 1519 com Carlos I, rei da Espanha e imperador (como Carlos V). Reunia as casas de Áustria, Borgonha, Aragão, Castela e as terras espanholas no Novo Mundo. Foi o rei mais poderoso de seu tempo. Maria Teresa de Bragança entrou para a família por casamento com Carlos Luís, irmão do imperador Francisco José. Zita de Bourbon-Parma esposa do imperador Carlos I, era filha de Maria Antónia de Bragança e neta do rei Miguel I de Portugal. Com o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, os Habsburgos foram depostos com a formação de novos países. Zita, a última imperatriz da Áustria e o marido exilaram-se na Ilha da Madeira, onde Carlos I morreu em 1922.

A imperatiz da Áustria-Hungria que nunca foi Sissi mas Isabel

Mito. Os filmes da trilogia Sissi estão longe de retratar a infelicidade que foi a vida da imperatriz interpretada por Romy Schneider

Na noite de Natal de 1837 nasceu no Palácio de Possenhofen, na Baviera, aquela que se tornaria a mulher mais fascinante da sua época. O seu nome é um mito: Isabel Amélia Eugénia, imperatriz da Áustria e rainha da Hungria, a quem o cinema chamou carinhosamente Sissi. A trilogia de filmes Sissi, dirigida por Ernst Marischka, e a actriz Romy Schneider marcaram várias gerações de espectadores essencialmente na Europa. Num continente que ainda lambia as feridas da II Guerra Mundial, esta ficção imaginou o conto de fadas da princesa simples e revelou-se uma excelente forma de ajudar a cicatrizar o sofrimento. Apesar dos aspectos políticos, o acento tónico da obra de Ernest Marischka incide sobre o romance. E esse é o poder da trilogia erigida numa série de mitos vigentes no imaginário colectivo da sociedade ocidental como o mito do príncipe encantado correspondido pelo mito da princesa perfeita. Só que o perfil da princesa adorável e apaixonada do cinema não corresponde à imperatriz da Áustria. Na verdade Isabel tinha pouco a ver com a Sissi. Por trás da personagem que erradicava luz interpretada por Romy Schneider há uma verdade sombria. A imperatriz foi infeliz no casamento, depressiva, vaidosa, anoréctica e fugia para a Ilha da Madeira mais para escapar à amargura do que à doença dos pulmões. E esse lado mais desolado da sua personalidade está no livro de Catalina de Habsburgo.

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