O filme mais aguardado do ano estreia-se hoje à escala planetária (incluindo Portugal), depois de ter aberto, ontem, a 59.ª edição do Festival de Cinema de Cannes . Para lá da euforia mediática em torno da adaptação ao grande ecrã do 'best-seller' de Dan Brown, esconde-se um 'flop' cinematográfico no mínimo proporcional ao sucesso da fórmula comercial do 'Código' .Na terça-feira, ao final da tarde, enquanto jornalistas e críticos de todo o mundo se aglomeravam junto às escadarias da Sala Debussy do Palácio do Festival , para assistirem à primeira projecção de imprensa de O Código Da Vinci, de Ron Howard, que ontem abriu o Festival de Cannes , fora de competição, uma pomba solitária pousou num dos cartazes que sinalizam o acesso à sala. Seria o Espírito Santo? Se era, não mostrou muito interesse no filme, porque logo a seguir voou em direcção aos restaurantes..No final da projecção, e a julgar pelos assobios e apupos ouvidos, devem ter sido muitos a invejar a pombinha que foi debicar migalhas e encher o papo, em vez de ter de suportar as duas horas e meia de inglório lufa-lufa de O Código Da Vinci. O filme pega num livro parte thriller conspiratório, parte mixorofada esotérica, mal urdido e inverosímil, sem qualquer base histórica, nem arte para nos envolver no enredo com gosto, e transforma-o numa superprodução sem suspense, sem capacidade para nos intrigar, inquietar ou entusiasmar, mal alinhavada e em vácuo de credibilidade interna..O Código Da Vinci, tal como Ron Howard o filmou, além de deixar ainda mais visíveis as deficiências, os simplismos, os ridículos e as limi- tações do livro de Dan Brown, vem também revelar o impasse em que se encontra o modelo dos block- busters de Hollywood. Quando um realizador com a experiência, inteligência comercial e capacidade industrial de Ron Howard falha tão óbvia e estrondosamente um filme, não é para admirar que as bilheteiras americanas estejam em crise. .Do casting à concretização visual, da banda sonora à resolução narrativa das várias peripécias, O Código Da Vinci range e abana por todos os lados. Tom Hanks anda à deriva num papel que faz dele um debitador de informação histórico-simbológica dramaticamente condensada, Audrey Tautou é uma sombra anémica, e só Sir Ian McKellen consegue dar alguma credibilidade à sua personagem, mesmo que o espectador adivinhe, mal ela aparece, que não é quem parece ser. (Em vez de confiar na nossa inteligencia para adivinhar as coisas, o filme prefere meter-nos tudo pelos olhos adentro.) .Além disto, o filme de Howard é mais um de muitos infectados pelos videojogos. A caça ao enigma em que as personagens de Hanks e Tautou se envolvem, seguidas por todas as outras, em vez de decorrer organicamente da história e de ter um fluir narrativo normal, é toscamente forçada e desenvolve-se como se as personagens estivessem a passar de um nível para outro, com os devidos bónus de recompensa. Quando surge a revelação final de O Código Da Vinci, e Robert Langdon diz a Sophie Neveu quem ela é na realidade, já o enredo subiu a tais alturas de absurdo, que se instala um anticlímax e em vez de espanto, temos é vontade de rir. O único código que interessará mesmo conhecer é o do multibanco de Dan Brown. .6 Dan Brown recebeu seis milhões de dólares (4,6 milhões de euros) pela venda dos direitos de O Código Da Vinci para o cinema. Um valor acima da média mas a que o escritor está habituado, ou não tivesse já vendido 46 milhões de exemplares, publicados em 44 línguas. .20 Tom Hanks teve um cachet de 20 milhões de dólares (15,6 milhões de euros) para interpretar o papel principal no filme, cujo orçamento se elevou a 125 milhões de dólares (98 milhões de euros). O actor entrou para o Guinness por ter participado sucessivamente em sete campeões do box office..1 Havia apenas um padre na conferência de imprensa de O Código Da Vinci, e não fez nenhuma pergunta ao realizador nem aos actores (ver texto na página 3). Apesar disso, foram vários os ataques ao filme por parte da Igreja Católica - através da Opus Dei, directamente visada na história. .20 mil São cerca de 20 mil as cópias de O Código Da Vinci que serão estreadas nos cinemas de todo o mundo, revelou Ron Howard na conferência de imprensa. Num ano em que a indústria de Hollywood sofre com o boom do DVD e dos downloads da Internet, o filme pode ser uma tábua de salvação. .0 Foram nulos os donativos para a conservação da Igreja de Saint- -Sulpice, em Paris, por parte das empresas turísticas que fazem fortuna guiando os leitores de O Código Da Vinci através dos cenários do livro. Proibidos de filmar neste templo, os produtores reproduziram-no digitalmente..À margem da estreia.LUXO De entre as muitas acções de marketing associadas a O Código Da Vinci, destaque para a da marca de canetas Visconti, que alugou um iate em Cannes para lançar um novo modelo "inspirado pelo filme". Acesso só por convites, claro..CARTAS Custa oito euros um baralho de cartas "oficiais" do filme realizado por Ron Howard. Aqui em Cannes , podem ser compradas desde ontem na loja de recordações do Palácio do Festival . .PIRÂMIDE A produção do filme fez construir no porto de Cannes uma enorme pirâmide, réplica da do Louvre, que se vê à distância na Croisette. Nela decorreu ontem a festa oficial de O Código Da Vinci, com lançamento de fogo de artifício no fim. .CLONES Uma das obras anunciadas no Mercado do Filme é Roubando a Mona Lisa, uma produção italiana.