"Ronaldo é odiado pelos adversários, Messi é respeitado"

Ruud van Nistelrooy trabalhou com Cristiano Ronaldo no Manchester United e no Real Madrid  e fala em perfeccionismo por parte do jogador dos 'merengues', factor que, na sua opinião, irrita quem defronta o português.
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Há muitos holandeses que já se deixaram convencer pelo sol do Algarve e já compraram casa a pensar na reforma pós-futebol. É o seu caso?

Ainda não. Já estive lá, em casa de Louis [Van Gaal], e adorei o clima e a zona, mas ainda não estou a pensar na reforma. A minha vida ainda é o futebol, quem sabe no futuro... Também já passei férias em Vilamoura, na altura com Wesley Sneijder. Gostei bastante, um clima mais à imagem do Sul de Espanha, de que também gosto bastante. Mas a minha mulher e família não são de assentar, preferem mais viajar por todo o mundo do que comprar casa e ir passar férias sempre ao mesmo sítio.

Com 33 anos, ainda não pensa o que fazer depois de pendurar as chuteiras?

Honestamente penso apenas no futebol e, actualmente, no Ham-burgo. É claro que de vez em quando é natural que um jogador pense no que fazer depois de não aguentar mais, mas eu ainda não sei. Sinceramente não me vejo a ficar parado, fora do futebol, mas também ao mesmo tempo não me vejo como treinador. Ainda há uns tempos falava com Van Basten, que também, quando jogava, dizia que jamais iria ser treinador e hoje ninguém o tira de um banco. Veremos o que acontece, mas acho que ainda é cedo, sinto-me bem e pronto para mais alguns anos de bom nível.

É um dos melhores marcadores de sempre da história do futebol, com mais de 500 golos em toda a sua carreira. Muitos avançados não conseguem explicar a sensação de como é marcar um golo, outros comparam-no a um orgasmo [Fernando Gomes]. Defina a sua sensação.

Nunca ouvi tal definição, mas, se um dia conhecer quem o disse, aperto-lhe a mão. É a melhor e mais divertida definição que ouvi até hoje. É uma sensação que quase não tem explicação, o coração bate aceleradamente, não temos tempo para pensar em na-da, simplesmente acontece. Um orgasmo é uma definição quase perfeita.

E que definição é aquela que deu a um colega seu [o jogador do Real Madrid Higuaín] sobre os golos e o ketchup?

Foi uma grande lição que um antigo treinador me deu, ainda nas camadas jovens do Den Bosch [clube holandês em que fez a sua formação], numa altura em que não marcava golos. E considero-a também bastante real. Quando se carrega no tubo do ketchup, por vezes sai pouco, mas às vezes sai logo muito. É como os golos: às vezes marcamos poucos; outras vezes, muitos.

Falando em golos, marcou menos de metade [48] no Real Madrid do que no Manchester United [95]. Ainda assim, é raro, quando um jogador sai de um clube, subir ao relvado antes do início de um jogo e despedir-se dos adeptos [como no Real]?

Sinceramente nem eu estava à espera. Segundo me disseram, foi o balneário que teve a ideia e devo isso aos meus ex-colegas. Infeliz-mente não fui tão bem-sucedido em Espanha como em Inglaterra... também nunca tinha tido tantas lesões, e isso afectou-me. Mas pen-so que deixei uma imagem de profissionalismo em Madrid, não têm nada a apontar-me certamente, dei sempre 100% quando não estava lesionado e os fãs falavam comigo na rua e elogiavam-me.

Este ano, o Real gastou muito dinheiro em jogadores [mais de 300 milhões de euros], mas está fora da Liga dos Campeões e é segundo na Liga espanhola, atrás do Barcelona. Fala-se que, mais uma vez, Florentino Pérez gastou muito e mal.

Não penso assim. O Real Madrid comprou grandes jogadores, que qualquer equipa gostava de ter. Mas o Barcelona não comprou quase ninguém, tem os mesmos futebolistas e as mesmas rotinas de todos os outros anos, o que é uma vantagem. É sempre difícil montar uma equipa de um ano para o outro. Mas torço por eles e acho que mais tarde ou mais cedo vão acabar por superar o Barcelona.

Privou em Manchester e depois em Madrid com Cristiano Ronal-do. Muito se falou, sobretudo em Inglaterra, de alguma animosidade entre os dois. Não gosta de Ronaldo?

É tudo mentira, sempre admirei Ronaldo. Profissionalmente, foi o melhor jogador com quem trabalhei, não tenho nada a dizer sobre isso.

Mas é ou não ver-dade que chegaram a envolver-se numa cena de pancadaria no treino do Manchester United. Diz-se que lhe deu um murro na cara, e ele começou a chorar, e aí ter-lhe-á dito para ir "correr a contar ao pai" [neste caso Carlos Queiroz, na altura adjunto de Ferguson], e ele terá dito "já não tenho pai"...

Quando Ronaldo chegou ao Man-chester era muito jovem, ainda não sabia bem o código dos jogadores do United. Jogava como se estivesse entre amigos, e quando chegou ali percebeu que tinha de trabalhar mais do que nós. É natural que os mais velhos por vezes lhe chamas-sem à atenção, fi-lo eu como o fez Gary Neville, Rio Ferdinand e tantos outros. Não sei se foi com isso que aprendeu, mas em pouco tempo parecia que estava ali há anos e hoje é o que é. Tudo o que tinha para resolver com ele ficou resolvido, na minha opinião sempre fomos e continuamos a ser amigos.

Quem é o melhor do mundo, ele ou Lionel Messi?

Pergunta difícil de responder. Isso também tem sempre que ver com a realidade dos clubes em que estão e neste momento o Barcelo-na está no top, fala-se mais de Messi. Mas, pelos anos que passei com Ronaldo, sei que isso ainda o pica mais e vai estar sempre a tentar superá-lo, ou a outro qualquer. Talvez Messi, confiante como está, esteja agora num patamar mais acima, mas Ronaldo tem capacidades para o alcançar. São formidáveis os dois, penso que é complicado dizer que um é melhor que o outro.

Na sua opinião, quais as grandes diferenças entre ambos?

São jogadores diferentes, até fisicamente não se podem comparar. Ronaldo é, sobretudo, odiado pelos adversários, Messi é respeitado. Ronaldo é a imagem da perfeição. E alguns pensam que o futebol não se aperfeiçoa, nasce connosco - e isso, penso, dá-lhes raiva. Mas estão enganados, quem trabalha com Ronaldo sabe que ele se aperfeiçoa a cada treino, que no dia a seguir já faz melhor o que treinou no dia antes. O Messi, pela sua simplicidade, pelo seu ar de miúdo, é visto de outra maneira, é visto como um talento natural.

Acredita que o lugar de melhor do mundo vai ser disputado pelos dois nos próximos tempos?

Sim, mas a eles há que juntar Wayne Rooney [avançado do Manchester United]. Para mim, são os melhores jogadores do mundo, actualmente e nos próximos anos. São muito jovens, têm ainda a fase da maturidade pela frente, não vejo mais futebolistas com tantas qualidades como eles.

Em 2008 , após o Campeonato da Europa da Suíça e da Áustria, anunciou que iria aposentar-se da selecção. Agora especula-se que voltará para o Mundial de 2010. Quer realmente regressar?

Na altura senti que não podia dar o melhor tanto pelo Real Madrid como pela selecção holandesa. Neste momento, já manifestei vontade de regressar à selecção. Também por isso saí do Real Ma-drid, para poder jogar com mais regularidade. Agora tenho de esperar por uma decisão do seleccionador.

A competição aproxima-se. Quem são os favoritos para este Mundial?

Para mim, a Espanha e o Brasil são as selecções mais fortes actualmente. No entanto, neste tipo de provas há sempre surpresas e tudo pode acontecer.

Considera que Portugal pode ser uma dessas surpresas, ou a Holanda?

Penso que Portugal e Holanda não se podem considerar como possíveis surpresas, são certezas. São selecções com grandes jogadores e que há muito provaram que são difíceis de bater. Estão, na minha opinião, no rol de favoritos a fazer uma grande prova. Vencer será sempre difícil, mas não impossível para equipas como essas, com talento incrível.

Portugal, Brasil, Costa do Marfim e Coreia do Norte. Também o baptizava de grupo da "Morte do Mundial"?

É muito forte, sim, mas também era muito difícil que tal não acontecesse, dado que há muito boas selecções e não podem ficar todas separadas. Acredito que Portugal e Brasil vão passar essa fase de grupos.

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