Em 1964, um ano antes da sua morte, Anastácio Gonçalves deixa em testamento indicações precisas sobre o futuro que pretende para a sua colecção. Colecção que deve ficar "regularmente patente à visita do público para seu recreio e instrução" e ser preservada como conjunto, sem que as suas peças "sejam desviadas, mesmo a título provisório, para qualquer outro museu, palácio ou local". ."Espécime, talvez feliz, da arquitectura da época em que foi construído", a casa estava também no centro das suas preocupações, tanto mais que, desde a sua aquisição, Anastácio Gonçalves enriquecera a colecção na perspectiva de a deixar à comunidade. Indissociáveis como eram - e como são -, importava salvaguardar ambas e, estando o edifício "ligado a tradição artística do período áureo da nossa produção pictural dos últimos tempos", escreveu, "isso será mais uma razão para que seja posto ao abrigo da fúria demolidora"..Com este gesto, tomado num momento em que as Avenidas Novas começavam a afastar-se da sua vocação original, Anastácio Gonçalves honrava a lembrança de um arquitecto e de um pintor, sem os quais esta casa jamais poderia ter sido também sua. Gesto raro, como o atesta o destino, bem diverso, que foi dado ao último atelier de Malhoa na capital: ficava no n.º 8 da Travessa do Rosário, à Praça da Alegria, prédio modesto plenamente integrado no conjunto, de que hoje apenas resta registo fotográfico, nomeadamente no espólio desse incansável apaixonado por Lisboa que foi Eduardo Portugal..No espaço de dois anos, Malhoa assistira à morte do irmão e à morte de sua mulher e será em larga medida o desgosto desta última perda que o levará a desfazer-se, em 1919, da sua residência nas Avenidas Novas. Dois outros proprietários se seguirão, até Anastácio Gonçalves se cruzar com ela e a adquirir em 1932 - o mesmo ano em que Malhoa pintará o seu retrato..Lisboa, que tem uma relação de desamor com as casas de vultos-chave que por ela passaram - lembre-se o processo da última casa de Garrett ou, antes dele, o da casa de Guerra Junqueiro -, não cuidaria dessa casa onde o pintor se reconciliou com a vida, após anos de luto: no seu lugar está hoje um objecto híbrido, de construção recente, não obstante a composição da fachada ser, em parte, a mesma e as cantarias também.