"Quando os anjos tocam para Deus, tocam Bach quando tocam entre eles, tocam Mozart"

Tem medo de quê?

Que rico começo!...De ter um problema de saúde que me degrade e corroa, lenta e dolorosamente, até aos limites do que julgo ser a dignidade da vida e existência humanas. Neste caso, julgo ser capaz de qualquer coisa que evite esse fim, que entendo sempre como terrível e injusto.

Gostaria de viver num hotel?

Não, de todo. Gosto de criar e viver os meus espaços. Espaços que adquiram o meu "cheiro", o meu "rasto". A minha circunstância é para mim muito importante.

Tem alguma pedra no sapato?

Neste momento não. Quando tenho, julgo que todos podemos ter, procuro resolver o problema o mais depressa possível.

E livros à cabeceira?

Às vezes. Mas não costumo ler na cama, fico logo com sono. É uma incapacidade.

Qual é o livro da sua vida?

Quando os Lobos Uivam, de Aquilino Ribeiro

E esse está sempre à cabeceira?

Não, está na estante.

O artista plástico que mais admira?

Para mim, como artista plástico que sou, é difícil a resposta. Há muitos factores e muito complexos. Tenho vários. Portugueses: HenriquePousão, Eduardo Viana, Sá Nogueira, entre muitos. Doutras nacionalidades e épocas: Vermeer, Goya, Monet, de quem Cézanne dizia todo ele ser "um Olho" - e Picasso, claro.

A sua cor favorita?

Para um pintor não há cores favoritas. No entanto, por uma questão técnica, tenho uma relação especial com os azuis.

Já agora: qual é cor do desejo?

Não faço a mínima ideia, mas talvez a que der mais jeito ao desejo, em cada momento.

Rir é um bom remédio?

Rir será sempre um bom remédio. É no entanto recomendável lembrar a expressão "morrer a rir": talvez possa, em excesso, fazer mal à saúde.

Lembra-se da última vez que chorou?

Perfeitamente. Na morte da minha irmã.

Gosta mais de conduzir ou ser conduzido?

No que respeita a automóveis, prefiro ser eu a conduzir, não sei explicar bem porquê. Mas noutras situações, e são algumas, gosto que me conduzam, embora deite sempre um olho para onde me levam.

É mestre a transgredir os limites?

Por vezes os limites não são fáceis de definir com muita nitidez. Mas não, não sou mestre nessa arte: talvez antes, um transgressor aprendiz.

Gosta de tripas à moda do Porto?

Não como as propriamente ditas, mas gosto muito do feijão das mesmas.

É esse o seu prato preferido?

Não, prefiro um bom peixe assado ou grelhado.

Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?

Já não me lembro dessa terminologia dos pecados. Mas julgo que não cometo nenhum, pela simples razão de que não me regulo por esse tipo de aferição moral ou de comportamentos.

Costuma cantar no duche?

Não, prefiro cantar tocando uma guitarra e como as que tenho são de madeira, não dão para o duche.

E a música da sua vida?

De Bach e Mozart. Não resisto a esta pequena história: Quando os anjos tocam para Deus, tocam Bach, quando tocam entre eles, tocam Mozart. No que respeita a épocas mais actuais, Beatles, Pink Floyd, e a grande música francesa: de Brel, Brassens, Reggianni.

Sugere alguma alteração ao hino nacional?

Apesar do hino ser relativamente recente, em relação a toda a história de Portugal, os valores de uma certa heroicidade e referência bélica estão nesta altura desajustados. Nada do que digo pretende atentar ou relegar para segundo plano o que julgo serem os valores de identidade e dignidade de um povo. Havia algum hino de Portugal antes do que conhecemos? Se sim, alguém se lembra da música ou a da letra?

Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?

Com nenhuma. Embora reconheça poder cair na tentação de convidar uma ou outra, não pelo jantar em si, mas para lhes poder, olhos nos olhos, fazer algumas perguntas.

E o que é que um pintor nunca deve fazer?

Perder ou cair da sua própria identidade.

O maior sonho?

Pintar "O quadro". O quadro que resuma a minha experiência de vida enquanto pintor. Não sei se vou conseguir, nem sequer sei se porventura já o pintei. Talvez não, tenho muitas ideias sobre isso, mas o provável é não o conseguir - não virá o mal ao mundo.

O maior pesadelo?

Não tenho pesadelos desses, só quando durmo e com esses posso eu bem.

O que mais o irrita?

A estupidez, oportunismo, egoísmo, a inveja. E a intolerância de certas pessoas: é terrivelmente irritante.

Casamentos homossexuais, concorda?

O casamento é uma espécie de contrato social. Nestes termos, porquê não? Por vezes analisamos a questão apenas do ponto de vista sexual. As pessoas devem ter o direito de escolher.

Acredita no paraíso?

Não. Para um esfomeado, o paraíso pode ser uma bucha de pão.

Tem algum lema?

Não sei se é um lema, mas gosto de afirmar: "Só voam juntos pássaros da mesma pena."