Entrevista. Figura central do Encontro pela Paz, iniciativa da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Arun Gandhi, quinto neto do Mahatma, encabeçará, no próximo dia 17, o seminário "Será a paz uma ilusão?". Ao DN falou do estado do mundo, sem fugir ao terror de Bombaim, e das memórias do seu avô.O MahatmaGandhi não festejou a independência da Índia porque queria um país unido. Acha que ele previa as consequências que ainda hoje se sentem (e bem, como atestam os actos terroristas de Bombaim) no conflito entre Índia e Paquistão?.Sim, ele sabia, por isso insistiu para que o nosso caminho fosse a prossecução da luta por um país unido, mas os políticos estavam ansiosos por tomar o poder e ignoraram o seu aviso. Hoje pagamos todos o preço..Porque é que a tensão se mantém?.Desde a independência que o pensamento político do Paquistão é dominado pela ideia de se vingarem da Índia, em vez de reconstruírem a nação e ajudarem as pessoas a atingir um novo padrão de vida. Os militares no Paquistão dominam o Governo e não querem largá-lo. Eles é que cultivam esse sentimento..Está a dizer que os militares no Paquistão apoiam o terrorismo?.Sim. Eles sentem como uma vantagem apoiar o terrorismo e criar o caos, para poderem controlar as pessoas. Os terroristas e os militares andam de mãos dadas..Como encarou o terror em Bombaim?.Eu estava lá, foi muito doloroso. Mas o que fazer quando aquela gente começa a disparar? Eu fiquei preocupado com a reacção das pessoas e, em particular, dos media, que tentaram levantar muita raiva contra o Paquistão. Não o disseram taxativamente, mas fizeram crer que a Índia devia atacar o Paquistão. É uma irresponsabilidade. Não julgo que a violência ajude a resolver a violência. Temos de encontrar outros caminhos, construir pontes entre as pessoas dos dois lados..Mas a raiva, de um e de outro lado, não parece fácil de combater..Uma das mais importantes lições que o meu avô me deu foi sobre a raiva. Ela é tão poderosa e útil como a energia eléctrica, desde que a usemos inteligentemente, para o bem da humanidade. Por outro lado, muita violência deve-se à raiva. É vital aprendermos sobre como a conduzir e, infelizmente, não nos ensinam isso nas escolas. O primeiro passo para a paz é introduzir disciplinas de management da raiva nas escolas, de forma a que as crianças, os homens do futuro, saibam transformá-la..Em Portugal, hoje, a raiva começa logo nas relações entre Ministério da Educação e professores....Pois, a educação tornou-se vítima do egoísmo e da ganância que o capitalismo promove. O objectivo, hoje, é apenas emprego e dinheiro. Porque não ajudar uma pessoa a ver que a vida não é só isso, a construir o seu carácter, a criar relações com as outras? Aqueles que só querem dinheiro, façam-no, em vez de filhos..Entretanto, há sinais de mudança no mundo. Os EUA, por exemplo, elegeram um presidente negro. Acredita nele?.Eu votei nele. Estou orgulhoso de ser americano e espero que ele aponte um novo caminho para os EUA. Eu mantive sempre que os EUA mostraram ao mundo ser uma superpotência militar. Precisam agora de mostrar ao mundo que podem ser também uma superpotência moral. E que querem fazer o que é bom para o mundo, não apenas para eles. Penso que Obama tem a capacidade de liderar os EUA nessa direcção. O que me preocupa é que o establishment pode não o apoiar..Sem Martin Luther King não haveria Obama, sem Gandhi não haveria Luther King. Encontra algo de Gandhi em Obama?.Sim, não só nele, vejo sementes do meu avô noutras pessoas que fizeram grandes coisas, de Lech Walesa a Nelson Mandela. Ele sempre disse: fazes uma coisa boa e os seus efeitos continuam a multiplicar-se para sempre..Ou seja, a Índia e o mundo não têm razões para se sentir órfãos de Gandhi se as suas sementes continuam a germinar....É verdade. Por todo o planeta há pessoas que, sem nunca o terem conhecido, ficam de tal modo afectadas pelas suas ideias que dedicam as respectivas vidas a trabalhar pela paz..Mas a violência também prolífera..E, se não tomarmos as medidas certas, haverá mais. O mundo está a ficar mais pequeno, e nenhum país, nem Portugal, pode viver seguro se não se preocupar com o resto do mundo. Tudo o que está a acontecer num sítio vai influenciar os outros. Se os países desenvolvidos não partilharem os seus benefícios, e em larga escala, com os países pobres, então vamos ver mais e mais violência..Por que razão as castas, mesmo inconstitucionais, são ainda observadas na Índia?.É como o racismo nos EUA. A segregação acabou, Obama preside, mas o preconceito ainda existe na mente dos americanos. Não podes mudar o coração das pessoas pela lei.