Portugal atrai-o? .Portugal atrai-me. É calmo, identifico-me com o País, talvez porque nasci em Moçambique, e há muita coisa que nós sentimos aqui e que, provavelmente, nos outros países da Europa não temos. Uma das coisas de que os muçulmanos que vivem em Portugal se podem orgulhar é sentir essa liberdade de praticar a religião sem serem muito incomodados por não muçulmanos. Mesmo após o 11 de Setembro... .Então Portugal é mesmo diferente?.Por aquilo que se ouve na comunicação social, é. A própria história da comunidade islâmica portuguesa é muito diferente da das outras comunidades islâmicas da Europa. França teve poder sobre o Magrebe; a Índia e o Paquistão foram colónias britânicas; mas os portugueses devem ter sido nas ex-colónias os que mais conviveram com as pessoas. Viviam aqui, emigravam para Angola e Moçambique, e muitos nasceram lá , por isso o contacto que tínhamos em Moçambique com a cultura portuguesa não era só dos livros, havia mais ligação. Se perguntar a um muçulmano que nasceu em Moçambique, que vive ou nasceu cá, qual é a sua língua materna, a que fala em casa, ele responde que é o português. .Os muçulmanos não se sentem cá a mais? .Aqueles muçulmanos que vieram das ex-colónias, os que nasceram aqui e os que estão cá há muitos anos, não. Já os magrebinos, os que vieram do Médio Oriente, ou da Índia, do Paquistão e do Bangladesh, sim. Há uns anos, as pessoas pensavam que o islão era a religião dos imigrantes, mas está errado pensar desta forma, basta ver que na Mesquita de Lisboa e também nas outras a "língua oficial" que temos para as palestras é o português. Falamos o sermão em árabe, a oração é toda em árabe, mas a palestra para transmitir os ensinamentos é em português. Sabendo a língua, está integrado em 50%..A religião católica está ameaçada por uma grande crise de vocações. Como é no islão?.Porque não há sacerdotes? O que acontece é que nós não temos hierarquia, e na hora da oração, se eu não fosse, haveria à mesma a oração. Entre os presentes haveria sempre uma pessoa apta a ditar a oração, avançava e seria o imã daquela oração. Há mesquitas em Portugal onde isso não acontece. .Como se tornou imã da mesquita? .Quando vim para cá, em 1986, era para dar aulas sobre o islão. Como a mesquita não tinha um imã fixo, eu fui ajudando, sempre a dizer: "Até terem um imã, vou ficando." E acabei por ficar. Pediram-me, concordei e passei a fazer as orações obrigatórias e fúnebres, casamentos, e, quem está numa casa há 22 anos, acaba por fazer um pouco de tudo. Hoje sou um móvel da mesquita. .Em 1974 foi para a Índia fazer o quê? .Memorizar o Alcorão. .E em 1979 foi para o Paquistão fazer o quê?.Depois de memorizar o Alcorão, disseram-me: "Memorizou o Alcorão, mas não sabe o que está a ler." E era verdade. Então, eu disse: "Quero compreender a mensagem do Alcorão." E para isso tinha de seguir um curso de teologia. Como só fizera a quarta classe em Moçambique, estudei e completei o décimo segundo e inscrevi-me na faculdade. Sou licenciado em Teologia e Pedagogia. Dou aulas de Árabe e de Cultura às terças e às quintas-feiras, daqui a pouco. Já dei aulas na faculdade, mas de há uns tempos para cá só na mesquita. .Como é o convívio com outras religiões?.O nosso convívio inter-religioso é excelente. Ainda há dias participei num almoço de Natal católico e há vários encontros inter-religiosos. Acho que Portugal tem sido exemplar, agora só deveríamos passar para uma outra etapa, a de reunião entre jovens das várias confissões..O Estado, apesar de laico, privilegia a religião católica. Sente-se diferenciado?.Não. Por aquilo que temos e pelo que nos é dado, não só à religião islâmica mas também às outras confissões não católicas, não o podemos dizer. E com a nova lei da liberdade religiosa muita coisa está a transformar-se e a melhorar..O ensino marginaliza o aluno muçulmano? .Acho que nenhuma religião é marginalizada. As crianças muçulmanas frequentam escolas normais e nas mesquitas têm o ensino religioso..Ainda há pouco tempo, nos livros de História, chamava-se infiéis aos árabes!.As coisa mudaram, e um dos desafios que a Mesquita de Lisboa e os muçulmanos têm é para com a visita de estudantes. Curiosamente, a maioria delas são de turmas de Religião e Moral. Nos manuais estudam-se as cruzadas....Por isso é que tentamos explicar que o facto de certos factos terem sido feitos por muçulmanos ou por cristãos não significa que a religião incentive isso. Para eles, as cruzadas já são passado, o que mexe mais são os atentados, e essas são as perguntas do dia-a-dia. .O que pensa dos aviões que passaram pelas bases portuguesas e que levavam muçulmanos para a prisão de Guantánamo?.Eu não comento isso. A minha função é mais religiosa, e eu não sou muito político. Soubemos disso, não temos a certeza e não se comenta..Qual é a sua opinião sobre a invasão do Afeganistão e do Iraque?.Eu preferia que não me fizesse perguntas dessas? Vou ser muito directo, eu posso dar a minha opinião, mas será logo relacionada com a do imã da Mesquita de Lisboa. E a minha função, na Mesquita de Lisboa, é mais religiosa. Se me quer perguntar sobre os jovens muçulmanos ou assuntos religiosos, aí, nada contra.|