"Há programas infantis que os pais não suportam"

A autora e produtora executiva da série do Disney Junior <i>Doutora Brinquedos</i> revela que criou o formato para acabar com o medo que as crianças têm dos médicos e de hospitais e juntar pais e filhos em frente do pequeno ecrã.
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Cinco anos depois de ter criado a menina de seis anos que, com a sua maleta de médica, ajuda a curar as maleitas dos seus brinquedos, Chris Nee ainda não acredita no sucesso que a série alcançou. "É uma loucura! Como explicar o sucesso de Doutora Brinquedos? Bem, acho que o programa tocou num ponto fulcral: todas as crianças têm medo de lidar com médicos. É um assunto que é assustador e que nunca tinha sido abordado e desmistificado numa série infantil", começa por explicar a criadora e produtora executiva dos desenhos animados do Disney Junior (que o canal de cabo exibe aos sábados e domingos às 10.30). "Um dos elementos importantes da Doutora Brinquedos é a concretização de um sonho de infância comum a toda a gente - podermos falar com os nossos brinquedos. A união desses dois elementos pode justificar o sucesso da série a nível mundial", afirma Chris Nee. A bonequinha doutora nasceu há cinco anos, quando Chris Nee viveu um momento menos positivo na sua vida pessoal. A autora e a companheira passaram várias semanas em hospitais porque o filho Theo, atualmente com 8 anos, sofria de asma crónica. "Passámos quase um ano a ir a médicos e uma noite tivemos de ir de ambulância para as urgências porque ele não conseguia respirar... duas semanas depois decidi que queria fazer alguma coisa para melhorar a vida dele. Lembrei-me de que ninguém tinha feito um programa para desmistificar a temática dos médicos e dos hospitais", lembra Chris Nee.

Embora Theo tenha agora 8 anos, o filho da criadora de Doutora Brinquedos continua a ter uma relação muito próxima com a série. "Ele cresceu com um grande carinho pela boneca, embora às vezes tenha dado com ele em doido porque lhe lia os guiões todos [risos]. Hoje diz que a série é dele", conta a autora.

Doutora Brinquedos, cuja terceira temporada está a ser exibida nos EUA, conta a história de uma menina que, com a ajuda dos seus brinquedos (que entretanto ganham vida durante as brincadeiras), ajuda a curar as mazelas dos seus peluches. Os principais ajudantes da doutora são o dragão Valentim, a hipopótamo Hélia e a ovelha Lãzinha. Doutora Brinquedos tem a particularidade ter uma protagonista afro-americana, algo pouco habitual no universo dos desenhos animados.

A autora explica que essa opção é simultaneamente "um pequeno pormenor e um fator determinante". "Quando o formato estava na fase de conceção visual, a Disney perguntou-me o que é que eu achava da ideia da personagem principal ser afro-americana. Eu disse que achava espectacular", explica a criadora da Doutora Brinquedos, salientando que a cor da pele da personagem principal "deu a muitas crianças a possibilidade de se verem retratadas numa série de televisão", algo que Chris Nee considera "ser muito poderoso e ter alcance mundial".

"Doutora Brinquedos teria muito potencial para uma longa-metragem"

Como mãe, Chris Nee admite que nem todos os formatos infantis são bons e menos ainda os que conseguem congregar os gostos dos mais pequenos com um apelo para o público adulto. "Não vou mencionar nomes, mas a verdade é que há muitos programas infantis que os pais não suportam. Uma das minhas esperanças quando criei a Doutora Brinquedos foi conseguir conjugar dança e música com um humor mais adulto para que os pais fiquem na sala com os filhos e tenham conversas com os eles sobre o que estão a ver", explica a produtora executiva da série, salientando: "Acho que a vantagem que as crianças podem tirar da televisão é terem os pais a guiá-las, a decidir que programas é que elas vão ver e terem conversas com elas sobre isso". Um dos objetivos de Doutora Brinquedos é ensinar as crianças entre os 3 e 10 anos a terem hábitos de vida saudáveis. Um dos grandes sucessos do formato fora do pequeno ecrã é o merchandising da série. Nos EUA, em 2013, foram vendidos 400 milhões de euros de brinquedos com a marca da série, entre os quais a maleta da doutora, uma mala de médico de brincar, com todos os aparelhos médicos, estetoscópio incluído.

"A Disney deu-me total liberdade para criar uma série centrada numa personagem, ao invés de ser um programa meramente educacional. Estas personagens são muito fortes e divertidas. Isso leva as crianças a querer comprar o merchadising da série, porque as crianças se identificam com os protagonistas", explica Chris Nee.

Para lá do entretenimento, a autora e produtora executiva da série, exibida em Portugal pelo Disney Junior, espera sensibilizar aqueles que serão os adultos do futuro para a importância do acesso a cuidados de saúde. "Talvez daqui a 20 anos venhamos a descobrir que muitos seguiram a carreira de médico graças à série. O que francamente é ótimo e significa que, quando for velhinha e for a um hospital, serei muito bem tratada. Essa é a minha esperança e foi também a minha principal preocupação quando criei a série - conseguir que todos tenham acesso a cuidados de saúde", relata Chris Nee.

Nascida na pequena cidade de Greenwich, no estado norte-americano de Connecticut, a autora da série do Disney Junior cresceu a ver séries de animação como Animaniacs e Pinky and The Brain, formatos das Warner Bros., emitidos nos anos 90, que tinham como produtor executivo Steven Spielberg. Rob Paulsen, que emprestou a voz ao alucinado Pinky da série de desenhos animados, faz também parte do elenco de vozes de Doutora Brinquedos. "Estou sempre a chateá-lo para imitar a voz do Pinky [risos]!", conta Chris Nee.

Quis o destino que a sua série favorita de infância, a Rua Sésamo, fosse determinante no arranque da sua carreira. Chris Nee deu os primeiros passos no mundo televisivo no formato criado em 1969 e que deu a conhecer ao mundo Poupas, Ferrão, o Monstro das Bolachas e companhia. "Sou exatamente da idade da Rua Sésamo. O programa é uma parte muito importante da minha vida. Vi-o quando era criança e comecei a trabalhar lá quando ainda estava a estudar na faculdade", revela a guionista.

Questionada sobre a hipótese de a Doutora Brinquedos poder vir a ter a sua própria longa-metragem, ou chegar às salas de cinema, Chris Nee é taxativa: "Acredito que a série teria muito potencial no grande ecrã. Adoraria que isso acontecesse, ver as personagens embarcar numa aventura mais longa.

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