"Gostava de fazer um filme de terror em Portugal"

Conhecido pelas suas adaptações ao cinema de obras de H.P. Lovecraft, o realizador americano Stuart Gordon veio ao Festival MOTELx para dar uma masterclass e acompanhar um ciclo dos seus filmes. Gordon falou ao DN sobre a sua obra e o cinema de terror em geral.
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Como é que uma pessoa que começa pelo teatro, e um género de teatro bastante radical e provocador, vem parar ao cinema de terror?

Eu fiz algum teatro de terror, caso de uma adaptação de Edgar Allan Poe, uma história de fantasmas e até uma peça de ficção científica. Por isso, os filmes que viria a fazer já estavam nessas peças. E não são coisas assim tão diferentes

Então já era um fã de terror nessa altura?

Sim, gosto de filmes de terror desde que era miúdo, e os meus pais me proibiam de os ver (risos).

Grande parte dos seus filmes são adaptações de obras de Lovecraft.

Sim, acho que o Lovecraft é um escritor fantástico, autor de uma obra imensamente imaginativa, numa altura em que a literatura de terror era considerada como um género menor. E agora, vemos o Lovecraft passar das prateleiras do terror para as da literatura dita "séria", e ser considerado um grande autor, coisa que me faz muito feliz.

Mas é difícil e delicado passar Lovecraft ao cinema, dado que ele era um mestre da sugestão, dos horrores indizíveis.

Sim, concordo, mas por vezes ele também é muito explícito. É uma questão de se fazerem as escolhas certas sobre o que mostrar. E algumas das histórias dele são mais fáceis de adaptar do que outras.

Os seus filmes também costumam ter humor negro, é uma marca pessoal.

Acho que não existe um público mais predisposto ao riso do que o público do cinema de terror. O riso é o antídoto para o medo, e o público quer escapar da tensão rindo. Por isso, acho uma boa ideia dar sempre ao público alguma coisa para se rir nos meus filmes.

Recentemente, surpreendeu os fãs com 'Edmond', um filme realista com William H. Macy, baseado numa peça de David Mamet, que escreveu o argumento. Estava cansado do terror e quis fazer algo diferente para variar?

Eu já tinha trabalhado com o David Mamet quando era novo e fazia teatro em Chicago, e tinha visto Edmond quando se estreou, nos anos 80. Sempre achei que se trata de uma peça extraordinária. Pensei logo que daria um bom filme, e há vários anos que andava a trocar impressões com ele sobre o assunto. Finalmente, em 2005, consegui concretizar este desejo. E se reparar bem, a história de Edmond tem algo de terror nela, e a personagem principal é, de alguma forma, um monstro, e não se apercebe disso, tal como nos meus filmes de horror.

Grande parte dos seus filmes foi feita fora dos EUA, em especial na Europa. Isso aconteceu por questões financeiras?

Sim, mais de metade foram feitos na Europa: cinco na Itália, um em Espanha, um na Hungria, outro na Irlanda, outro ainda na Austrália. Já fiz filmes em todo o mundo. E precisamente porque era mais barato rodá-los fora dos EUA. Mas de há alguns anos para cá, passa-se exactamente o contrário. Agora é mais caro filmar fora dos EUA do que lá, porque o euro está forte em relação ao dólar. E há as novas tecnologias digitais, que nos permitem filmar por pouco dinheiro e com um equipamento mínimo. Alguns dos melhores filmes de terror recentes foram feitos assim. Por exemplo, o Dario Argento foi fazer a pós-produção do seu filme mais recente aos EUA.

E agora já vão fazer-se filmes à Ásia. Já nem compensa ir rodar à Europa de Leste.

Sim, até os países de Leste agora são caros para se filmar, por causa da adesão à União Europeia. O meu amigo e colega Brian Yuzna está agora a fazer filmes de terror na Indonésia. E outros realizadores em Bollywood. O Charles Band, que produziu muitos dos meus filmes, encontra-se a trabalhar na China. Aliás, gostava muito de fazer um filme de terror aqui em Portugal. Vocês têm excelentes condições, Lisboa é uma cidade magnífica e acho incrível que nunca se tenha pensado em fazer filmes de terror aqui de forma sistemática, que ninguém aqui em Portugal tenha pensado nisso a sério. A Espanha, aqui ao lado, é um grande centro de produção e rodagem de cinema fantástico e de terror. Reparei que há vários jovens realizadores portugueses a mostrar curtas-metragens do género no MOTELx. Espero que consigam vir a fazer longas-metragens.

Acha que o cinema de terror e fantástico ainda continua a ser mal visto nalguns sectores, mesmo nos EUA?

Sim, isso ainda continua a suceder por parte de algumas pessoas.É um disparate enorme, porque muitos dos maiores filmes de sempre são filmes de terror e fantásticos, de King Kong e Frankenstein a Tubarão. Quem pensa assim é idiota.

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