"Fomos traídos por Obama, Israel e o resto do mundo"

Hikmat Ajjuri, embaixador da Palestina em Lisboa, explicou ao DN as razões da atual vaga de violência
Publicado a
Atualizado a

Os ataques com arma branca e os atropelamentos acontecem desde os anos de 1980-90, mas não com esta intensidade. Tem uma explicação para a atual explosão de violência?

Não gosto de lhe chamar violência. É um grito dos palestinianos pela liberdade, pelo fim do cativeiro que é a ocupação militar israelita, a mais longa do mundo. O que aconteceu neste mês foi a última gota. Se recuarmos até ao ano de 1991, à Conferência de Madrid, que foi uma promessa do mundo de solucionar o conflito israelo-palestiniano após a dura Intifada que eclodiu em 1987, conseguimos juntar dois líderes visionários, [Yitzhak] Rabin e [Yasser] Arafat, que fizeram o Acordo de Oslo...

Fiquemos no presente...

Deixe-me acabar esta ideia. O Acordo de Oslo devia terminar em maio de 1999 com a criação de um Estado palestiniano. Não aconteceu. Tivemos Camp David II e descobrimos que os israelitas se tinham afastado do acordo. Depois houve o Roteiro para a Paz em 2003, desenhado pela América para solucionar o conflito e que apelava ao retomar das negociações, ao compromisso público de Israel para se criar um Estado palestiniano e desmantelar os colonatos ilegais a partir de 2001. Nada aconteceu. Houve a segunda Intifada (2000). Em 2009 Barack Obama fez um discurso identificando os colonatos como um obstáculo à paz e pensámos que faria alguma coisa. Em 2010, Obama disse na ONU que gostaria de ver a Palestina como membro de pleno direito da ONU e, no mês passado, no seu discurso na ONU, nada disse. Os palestinianos sentem-se traídos pelas pessoas que prometeram ajudá-los. Fomos traídos por Obama, por Israel e pelo resto do mundo.

Mas porquê neste mês?

É o acumular de 48 anos de ocupação e porque Israel está a tentar ocupar agora o terceiro lugar mais sagrado do islão.

Os israelitas querem ocupar a Esplanada das Mesquitas?!

Sim, ao enviar colonos para lá orarem ...

Mas isso é proibido pelo statu quo criado por Israel após a Guerra dos Seis Dias (1967)...

Sim, mas os israelitas continuam a violá-lo para provocar a raiva dos palestinianos. Mas não é só uma questão deste mês, é a acumulação de 48 anos. Temos mais de oito mil presos, mais de dez mil mortos, e o mundo continua a pedir-nos contenção, para termos calma que vão fazer algo. E o que acontece? Diariamente, temos terra a ser confiscada por Israel, colonatos a serem construídos e aumentados em terra que deveria ser do Estado palestiniano; somos alvos de ataques dos militares e dos colonos judeus, de demolições de casas. Temos famílias queimadas vivas, e o que fez o mundo? Nada. Sabe, o realizador israelita Shai Carmeli Pollak disse que "viver sob ocupação é viver sob terrorismo permanente". Já chega! Não podemos viver para sempre sob as botas dos soldados israelitas. A única solução é reconhecer já o Estado da Palestina, com Jerusalém Oriental como capital.

A violência já fez mais de meia centena de mortos. Quem está por detrás desta situação?

Ninguém; são jovens isolados e cansados da situação. Se numa democracia acontecem atos tresloucados ...

O que está a fazer o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, para acalmar a situação?

A nossa liderança é suficientemente inteligente para não fazer o jogo de Israel que é o militarismo e a violência, apesar de os israelitas estarem a fazer todos os possíveis para levar a nossa juventude ao desespero e ao uso das armas. Abbas está a fazer tudo para evitar a militarização desta revolta mas se Israel continuar a fazer da terra da Palestina um cemitério para as nossas esperanças será difícil conter esta raiva.

Mas um responsável do Hamas na Faixa de Gaza manifestou o seu apoio à violência...

É uma declaração a que não devíamos dar grande importância porque tem apenas como objetivo conseguir o apoio da rua, que está a perder.

A visita do secretário-geral da ONU a Israel e à Palestina foi só mais uma visita?

O secretário-geral da ONU é mais do que bem-vindo, em qualquer momento, para ajudar a encorajar as partes ao diálogo com base nas resoluções pertinentes da ONU, desde a 181 até à 1515, incluindo o Roteiro para a Paz e a Iniciativa Árabe. A ONU criou o problema ao dividir a Palestina, uma parte da Resolução 181 foi conseguida, está nas suas mãos concretizar a outra parte.

A questão palestiniana está ainda no centro dos problemas da região ou a ser usada como desculpa por grupos extremistas como o Estado Islâmico?

Enquanto a situação palestiniana não for resolvida não haverá paz na região nem no mundo e a violência dos grupos extremistas, como o Daesh [Estado Islâmico] que é tudo menos islâmico, é resultado dessa situação que é aproveitada. A violência do Daesh desvia a atenção do mundo do que se está a passar com os palestinianos e também com os árabes israelitas que estão a lutar contra mais de 40 leis que os discriminam no seu próprio Estado.

Há alguma colaboração entre Israel e a Palestina neste momento?

Não tenho a certeza, mas se houver deve ser apenas numa ótica do dia-a-dia, já que somos obrigados a importar de Israel até o nosso oxigénio.

Oslo morreu ou ainda há uma hipótese?

O espírito ainda vive mas os acordos e os artigos estão mortos. Oslo foi assassinado com Rabin.

Como comenta a afirmação do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, sobre a responsabilidade do mufti de Jerusalém no Holocausto?

Com estas afirmações, Netanyahu está a incentivar à violência, elas são absolutamente percebidas pelos colonos como uma licença para matar os palestinianos. Netanyahu deveria ser forçado a deixar o cargo antes que leve a uma guerra religiosa que só Deus sabe que resultado terá.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt