"Estava em casa a ver televisão. Quando tudo se apagou, acendi uma vela e fiquei a ouvir rádio a pilhas, como se fazia no século passado. Duro foi dormir sem ar condicionado, nessa Primavera do Rio de Janeiro em que a temperatura supera os 30 graus." O economista Sérgio Ribeiro sentiu-se abandonado pela tecnologia, mas foi um dos que tiveram sorte. Estava em casa durante o apagão de terça-feira que deixou 70 milhões de pessoas sem luz no Brasil e no Paraguai. .No Rio de Janeiro ou em São Paulo, o metro e os comboios pararam e o caos instalou-se no trânsito, devido à falta de semáforos. Milhares de pessoas, entre as quais alunos de universidades que viram as aulas interrompidas, tiveram de encontrar alternativas para regressar a casa. Eram 22.15 e os táxis não eram suficientes para dar resposta. .As autoridades procuravam perceber o que esteve na origem do "blecaute", como lhe chamam os brasileiros - aportuguesando a palavra inglesa blackout. As primeiras informações de que o problema tinha tido origem na central hidroeléctrica de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, não se confirmaram. A central foi atingida, mas após uma falha em três linhas de distribuição entre o estado do Paraná e o de São Paulo. Falou-se que a culpa podia ser de uma tempestade. Um efeito-dominó acabou por deixar sem luz 18 estados, sendo que em apenas quatro deles o apagão foi total. Mais de um terço dos 195 milhões de habitantes do Brasil foram afectados. No Paraguai, a electricidade falhou também durante 30 minutos. .O Presidente brasileiro, Lula da Silva, tinha previsto ontem reunir-se com os responsáveis para saber a causa do apagão. Defendendo a sua política energética, responsável pela construção de 30% da actual rede, disse aos jornalistas que em causa não estava um problema na produção de energia. "Nós tivemos foi um problema na linha de transmissão e ainda não detectámos o problema", afirmou, dizendo não saber se esteve em causa uma tempestade ou um erro humano. .É incontável o número de pessoas que ficaram presas em elevadores ou de pais que não puderam comunicar com os filhos porque os telemóveis começaram a falhar. Só os edifícios com geradores eléctricos, como hotéis ou hospitais, estavam iluminados. Mas em Bauru, próximo de São Paulo, seis bebés estavam numa unidade de cuidados intensivos que não tinha gerador. Cinco deles foram transferidos para outro local, mas outro só sobreviveu graças a um gerador da TV Globo..Malaika Cipriano, uma portuguesa que vive há dois anos em São Paulo e trabalha numa produtora, ficou presa no emprego com duas colegas. "Ficámos lá fechadas até à 01.30 com medo de sair por causa do trânsito caótico e de qualquer ataque de bandidos que pudesse acontecer", explicou. "Ligámos para as nossas famílias e roubámos a comida que os outros tinham deixado. Mas foi tranquilo.".Ao longo da madrugada, a luz foi sendo restabelecia em todo o país. O físico Luiz Pinguelli, que já foi presidente da empresa estatal de energia Eletrobras, comentou com humor a uma rádio do Rio de Janeiro: "Quando houve um apagão em Nova Iorque, foi o caos. Aqui, o povo é mais pacífico. É claro que houve assaltos durante o apagão, mas a verdade é que já há assaltos em dias normais e estamos acostumados."