Entrevista a Will Jimeno, Ex-agente da Autoridade Portuária de Nova Iorque..Fez parte da primeira equipa de salvamento que acorreu às Torres Gémeas logo após o embate do primeiro avião desviado pelos terroristas; ficou soterrado depois da queda da Torre 1. Foi o antepenúltimo dos 20 sobreviventes do desabamento dos dois edifícios do World Trade Center a ser retirado dos escombros, um dia após a tragédia. A sua história, e do seu colega John McLoughlin, o segundo sobrevivente da equipa, é agora contada por Oliver Stone no filme World Trade Center, que se estreia em Portugal no dia 21. Jimeno falou ao DN no Festival de Veneza, onde esteve com a mulher, e com o casal McLoughlin, acompanhando Oliver Stone na antestreia europeia da fita..O que sentiu ao ver-se retratado por Michael Peña em World Trade Center, e ao reviver a sua odisseia?.Foi muito difícil ver o filme pela primeira vez, não tanto por mim mas por ver todos os meus amigos a morrer. No final, fui dar um grande abraço ao Oliver Stone, porque lhe pedira para contar a nossa história tal e qual tinha sucedido, e foi o que fez..Alguma vez temeu que a vossa história não fosse contada correctamente no filme?.Somos polícias e por isso naturalmente desconfiados, mas a produtora e mentora do projecto, a Debra Hill, que infelizmente faleceu entretanto, convenceu-nos e pôs-nos à vontade. Quando soubemos que o Oliver Stone ia realizar o filme, ficámos muito contentes, porque ele já foi soldado e serviu a nação e defende aquilo em que acredita. Podem considerá-lo um realizador controverso, mas sabíamos que ia acreditar em nós e defender o que queríamos: que o filme fosse uma homenagem a todos os nossos camaradas mortos no 11 de Setembro, homens e mulheres, polícias, bombeiros e segurança civil, de todas as raças e origens. E foi exactamente o que fez..Você e o John McLaughlin, quando estavam sob os destroços, passaram o tempo a pensar nas vossas famílias para se agarrarem à vida. Acha que conseguiria sobreviver se não tivesse em quem pensar para manter a esperança de ser salvo?.Vou ser honesto: não sei. Talvez tivesse conseguido, quero pensar que sim. Houve quatro coisas muito importantes para a minha sobrevivência: o facto de o António Rodrigues, o meu camarada português, ter trocado de funções comigo e morrido no meu lugar; o sargento McLough-lin ter-me indicado para onde correr quando o desabamento começou; a minha fé em Deus; e a minha vontade de querer voltar para casa, para a minha família. Acho que uma pessoa numa situação extrema como a que vivi, que esteja envolvido num acidente ou descubra que tem uma doença grave, se se convencer que vai sobreviver, pode sobreviver. Se conseguimos, ela também consegue..A certa altura, lembrou-se de ter visto na televisão uma menina turca que esteve dias soterrada após um tremor de terra, foi encontrada viva e sobreviveu....Sim, foi no início desse ano, mal sabia que ia estar na mesma situação meses depois. Então, fiquei espantado com o facto, e quando estava debaixo daquele entulho todo, pensei nela. Ainda era pequenina e frágil e conseguiu sobreviver dias a fio, portanto eu também podia conseguir. São vitórias do espírito humano. É espantoso, a força que temos e não sabemos. Ainda hoje fico espantado por ter sobrevivido. E há muitas histórias como estas. A minha não é excepcional. Agora, sempre que vejo na televisão uma notícia sobre um desabamento numa mina, por exemplo, sinto-me logo identificado com as pessoas que ficaram presas e começo a pedir a Deus que não tenham de passar pelo que passei..Quanto tempo estiveram soterrados?.Eu fiquei 13 horas e o sargento McLoughlin 22 horas. Foi muito mais difícil e delicado libertá-lo dos destroços do que a mim. E eu demorei três horas a ser retirado! Limitámo-nos a sobreviver, os tipos que nos tiraram daquele horror é que são os verdadeiros heróis..Em que é que pensava enquanto estava preso naquele monte impressionante de destroços?.No que o filme mostra: na minha família, no bebé que ia nascer, em Deus, em ficar acordado e não adormecer e deixar-me morrer. E também na instrução que nos foi dada para situações como esta: combater a exaustão, pensar nas pessoas que nos são mais queridas. Foi ainda pior do que se vê no filme, mais apertado e mais escuro. Estava pronto para morrer quando tive a visão de Cristo que o filme mostra, e aí arrebitei. A minha fé manteve-me vivo. Repare, estava esmagado, queimado e tinha levado um tiro disparado por acidente pelo camarada que estava morto ao pé de mim. A fé religiosa, seja ela qual for, pode ajudar muito quem a tem. .O facto de o sargento Mc Loughlin estar ao pé de si vivo também o ajudou? Ajudaram-se um ao outro?. Sim, imenso. Se não fosse ele, eu tinha ficado ali. E se eu tivesse morrido, acho que ele também não tinha sobrevivido..Durante os trabalhos da sua libertação, ainda tinha forças para brincar e gracejar com os seus salvadores..Sim, tinha que ser. Repare, como lhe disse, o meu salvamento durou três horas. Tínhamos todos que rir e dizer piadas e disparates para nos aguentarmos aquele tempo todo. Quando eu fui ver o Titanic, só aguentei duas horas. Tínhamos mesmo que estar entretidos..O John McLoughlin ficou em coma durante seis semanas após ter sido tirado do buraco, por isso só muito depois é que soube o que tinha acontecido nesse dia 11 de Setembro de 2001. E você, disseram-lhe logo o que tinha acontecido?.Quando ficámos debaixo dos destroços só sabíamos que a Torre 1 tinha sido atingida. Eu estava consciente na altura em que me tiraram lá de baixo, por isso perguntei, como está no filme: "Para onde é que foram as torres?" E tive a resposta: "Desapareceu tudo, miúdo. Tudo." Aí percebi logo a extensão do desastre. No dia seguinte, soube logo quantos dos nossos é que tinham morrido. Lembro-me de estar a ver os jornais e de me concentrar na fotografia de um dos terroristas, não me recordo do nome dele, mas tinha óculos, e eu só pensava: "Mas porque é que fizeste isto? Porquê?" .De que forma esta provação mudou a sua vida, e a da sua mulher?.A nossa vida agora é muito diferente. Estamos muito centrados nos nossos filhos e nas coisas que são verdadeiramente importantes. As pequenas coisas do dia-a-dia..Ainda pensa muito nos seus camaradas que morreram nesse dia?.Sim, e foi muito, muito duro no princípio, e tive que ser muito ajudado para ultrapassar o sentimento de culpa por ter sobrevivido e eles não. Mas não os podemos trazer de volta, por isso o que fazemos é honrar a sua memória o melhor que pudermos. E foi por causa deles que consentimos que World Trade Center fosse feito, e estamos aqui a falar do filme e do 9/11. Para os homenagearmos, para recordarmos aquele dia, a forma como eles viveram e morreram. E a maneira como naquele dia toda a gente esteve unida, e não só os americanos..Voltou ao Ground Zero?.Sim, da primeira vez para recuperar o corpo do polícia negro que fala connosco no início do filme. Já fiz as pazes com o Ground Zeroe tenho seguido a reconstrução. Se dependesse de mim, construía tudo exactamente igual ao que estava. Punha lá as torres de novo. Era uma mensagem para os terroristas: vocês destruíram-nas, nós erguemo-las outra vez. Toma! Vocês não vão ganhar. Mas espero que o que lá ficar seja bonito e digno e que as pessoas voltem a ir visitá-lo. É o World Trade Center, não é o American Trade Center. Morreram lá pessoas de muitas nacionalidades. E o mundo inteiro está à espera que o reconstruamos. É um símbolo mundial. .Já não trabalha na polícia?.Tive que me reformar por causa dos ferimentos, infelizmente. Mas ainda colaboro com a Academia de Polícia. .Tem saudades do seu trabalho?.Tenho saudades de ajudar as pessoas, foi para isso que me alistei na polícia. Sinto falta de que precisem de mim. Não é o trabalho, é o contacto humano, saber que sou útil.