A entrevista do DV a Ricardo Espírito Santo: "Investir no Brasil? Venha, mas é taco a taco"

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No final dos anos 80, o Brasil atravessou uma das suas piorescrises económicas. A inflação tocava nos 120%, o cruzeiro perdiavalor todos os dias, as exportações afundavam-se. Os mais novosnão encontravam emprego, fugiam do país. Essa geração ficouconhecida como a "geração Galeão", o nome do aeroportodo Rio de Janeiro - a única porta de saída para escapar àguilhotina económica. Depois, o mundo virou. O Brasil renasceu ehoje cresce com a pressa de uma trepadeira. É sobre esta explosãoque fala Ricardo Espírito Santo, o presidente do BESI no Brasil. UmEspírito Santo com sotaque paulista.Aterro no Brasil, pego num jornal financeiro, por sinal deaccionistas portugueses, e leio que o índice de actividade económicabrasileiro recuou 0,26% em Junho. Senti-me em casa: más notícias.

Esse jornal, o Brasil Econômico, não é de portugueses, aprincipal accionista é brasileira...... casada com Nuno Vasconcelos, dono da Ongoing. Mas a pergunta éoutra: esta ligeira desaceleração, como a interpreta?

O Brasil tem vindo a crescer com muita força e Julho,normalmente, é um mês mais parado na economia porque é o mês deférias. Anda tudo mais devagar. Também sentimos que as criseseuropeia e americana afectam a vontade dos empresários e prejudicamos investimentos internacionais e os brasileiros. De qualquer forma,ainda há muito crescimento para acontecer. Muito mesmo.Estava a ver os números do PIB relativos ao primeiro trimestre.Mostram um salto de 4%.

O Governo de Dilma gostaria de atingir 5%, 6%... provavelmente nãovai passar os 4,5%. Nem pensar atingir os 7,5% do ano passado, claro.Mesmo assim, para um mundo em crise, é muito bom mesmo.O FMI acredita que o risco da economia brasileira é osobreaquecimento: inflação forte e excesso de crédito. Concorda?

Depois dos resultados do primeiro semestre, os próprios bancos jávieram dizer que o crédito cresceu 20% e que isso não podecontinuar. Vai haver uma redução da taxa de crescimento do crédito.O mercado continuará a crescer, mas a níveis mais suaves.A inflação também subiu, está nos 6,5%, o Trichet ou oBernanke tinham uma síncope...

Sim, é verdade, a inflação está um pouco acima da meta de 4%;mas o Governo já tomou medidas - aumento das taxas de juro - pararesfriar esse crescimento do crédito e, portanto, do consumo. OBrasil enriqueceu muito nos últimos tempos. As classes mais baixasganharam estatuto. Têm acesso ao crédito, à habitação própria...passaram a ter verdadeiro poder de compra. Mudaram de vida para muitomelhor. Isso é muito bom, óptimo, mas também trouxe inflação.Inflação sempre foi um problema brasileiro. Em 1982, atingiu os110%, uma loucura...

Pois é. Nesses tempos, que eu também passei aqui, a primeiracoisa que as pessoas faziam quando recebiam o ordenado era irem aosupermercado comprar a comida toda do mês. O valor do dinheiro nuncaera o mesmo. Os preços subiam todos os dias. Esperar era um erro.Agora já não é assim. As pessoas gastam conforme precisam, háestabilidade, mais confiança e isso mudou o perfil do consumidorbrasileiro. Como mudou esse país!O Ricardo está cá desde os anos 80?

Exacto. 1980. O grupo renasceu no Brasil.Portanto, também viveu períodos conturbados no Brasil....

Cheguei nos anos 80, quando o Brasil deixou de pagar a dívidaexterna e foi obrigado a pedir ajuda ao FMI. Hoje sei que foram anosde aprendizagem muito importantes. Vejo as pessoas em Portugal muitopreocupadas com a situação económica e percebo, compreendo erespeito; mas nós, aqui no Brasil, já superámos uma criseigualmente assustadora. Por muito mau que fosse, por muito queachássemos, na altura, que estávamos no fundo do poço, no fim dodia percebíamos que ainda havia mais fundo e não havia nada afazer, excepto trabalhar e acreditar. Depois, as coisas começaram amelhorar lentamente e fomos saindo do buraco. É o que vai acontecera Portugal. Um dia o país sai desse pesadelo.Os anos 80 foram a década perdida para o Brasil, crescimentomédio de 2%, contra os 7% nos anos 70. Mas o Brasil tem outracapacidade para reagir à crise...

Antes de melhorar vai piorar, tem de piorar, mas com esforço einteligência... vamos lá.A PT teve de sair da Vivo, a Galp está a vender um bloco, aEnergias do Brasil também abriu o capital. As grandes empresasportuguesas estão a perder terreno?

Essas empresas fizeram os seus investimentos quando o caixa delesestava forte. Agora é o momento de oportunidade ao contrário. Em1998, estava o Brasil fraco, a PT comprou a Telesp Celular, pagoumuito dinheiro, mas foi uma grande oportunidade. Os anos 1997 a 2000foram de crise no Brasil e as empresas portuguesas conseguiram fazeresses investimentos. Agora temos uma crise na Europa e chegou aoportunidade de as empresas brasileiras comprarem lá. É a dinâmicado mundo sem fronteiras. Acho que é bom para o país. Entra dinheiroem Portugal.Não respondeu...

Não estamos mais fracos, basta olhar para os resultados do BESI.Ao longo destes anos assistiu à fuga de brasileiros do país,também para Portugal. Hoje vê o movimento contrário: brasileirosque regressam, estrangeiros que vêm para cá, portugueses queprocuram emprego.

O Brasil está a crescer bem e nem em todas as áreas está aformar os técnicos especializados de que precisa ou estes ainda nãotêm a experiência necessária para todas as indústrias e empresas.Então, o Brasil tem vindo a importar técnicos para preencher asnecessidades de pessoal. É fácil as pessoas virem para cá eadaptarem-se, principalmente os portugueses. Os costumes não sãoexactamente iguais, mas aprende-se, as pessoas adaptam-se. Há umacultura de gestão muito americana, muito competitiva, muitoexigente. Tem havido, de facto, um fluxo grande de estrangeiros.Portugueses, europeus, americanos. Ainda há muitas oportunidades,muitas mesmo.Quantas pessoas trabalham para o Grupo Espírito Santo aqui?

Na área financeira, aqui comigo, somos 200. A Georadar empregamais de duas mil pessoas, temos um terço do capital. Estamos acrescer, isso é certo, estamos cada vez maiores, mas não sei aocerto quantos somos.Traz muitos portugueses?

Contam-se pelos dedos de uma mão! Gosto muito deles e eles vêm epassam um tempo, mas depois vão-se embora. Faz parte da cultura donosso grupo: dar uma visão internacional do negócio. A maioria daspessoas que trabalha connosco nasceu no Brasil mesmo.Há algum tipo de proteccionismo que impeça a entrada nalgumasáreas de negócio? A Ongoing, para investir nos media, teve de pôra empresa em nome de uma accionista brasileira.

São as dores de crescimento de um país que esteve muitos anosfechado. O Brasil era sempre visto como país do futuro e de repenteentrou nesse futuro ainda com algumas coisas do passado. Não é bemproteccionismo o que existe, mas o Governo brasileiro tenta de algumaforma proteger as suas indústrias. Se não o tivesse feito, não erao portento económico que é hoje. É preciso fomentar o crescimento,dar vantagens aos industriais locais para que eles invistam e sepreparem para a concorrência mundial.Portanto, há proteccionismo...

Se não houver algum género de protecção, entram todos osprodutos da China, dos EUA, da Alemanha. Tudo seria importado, nadaseria fabricado aqui, e assim não haveria crescimento da indústrialocal. Para um país que está a tentar crescer e que tem dinheiro,promover as suas indústrias e os seus empresários às claras fazsentido. Não é só legítimo, é inteligente. Mesmo assim, vê-seum crescimento assinalável das importações. O Brasil não conseguefazer tudo. Por exemplo, é um grande produtor de automóveis,fabrica quase três milhões por ano, mas não consegue fazerautomóveis de gama alta, esses vêm da Europa, do Japão. E podemvir à vontade; pagam impostos, claro. Mas ninguém vai importarautomóveis de baixa gama, que se fazem aqui.E a instabilidade política, preocupa-o, afecta o ambiente denegócios? O Governo de Dilma Rousseff acaba de perder o quartoministro...

Só um aparte: o Brasil tem 40 ministros. Aqui, a saída de quatroministros não é como em Portugal, não tem o mesmo peso político.A sociedade está a cobrar mais, a imprensa e as pessoas estão maisvigilantes. Há mais educação, mais acesso à informação. Aspessoas sabem mais facilmente o que se passa e exigem mais. Ora, issoacaba por afastar alguns ministros que não resistem a pressõespolíticas.Suspeitas de corrupção...

A Dilma está muito bem, tem um índice de aprovação bem alto,acima de 40%, é uma pessoa que acompanha os assuntos, inteira-se eestá a fazer um bom governo. Para mim, sem surpresa.Se tivesse de indicar a um empresário português as áreas em queele não deveria investir, o que dizia? A Sonae deu-se mal nasgrandes superfícies alimentares...

Até acho que a Sonae teve sucesso na distribuição: criou umaimportante rede de supermercados que, depois, vendeu bem à Wal-Mart,além de que tem êxito nos centros comerciais, nos shoppings. OBrasil é desafiante. É muito grande. Para alguns negócios talvezseja preciso ser maior do que se é em Portugal. Ter mais dimensão.Ou seja, é preciso músculo para investir. Não basta conhecimentona área de negócio. Há limitações naturais...... falta de capital...

Há limitações naturais das empresas portuguesas que não hácomo ultrapassar. Não basta ser bom.Foi por isso que o BES nunca entrou na banca de retalho?

Só para ter ideia, um banco grande no Brasil tem no mínimo trêsmil agências. Não dá! Em Portugal, quem é grande tem 600. É umaquestão de escala e de investimento. O Brasil é um país muitogrande. Desde que saímos do [Banco] Boavista muitos outros playersinternacionais também saíram da banca de retalho. Hoje, ela estáconcentrada em meia dúzia de bancos. Há uns 20 anos, havia à voltade 40. Com o crescimento do país e com necessidades de capitais cadavez maiores, esses bancos foram-se juntando e agora só sobram meiadúzia; dois estrangeiros, os gigantes mundiais Santander e HSBC;dois brasileiros, o Itaú e o Bradesco; e dois públicos, a CaixaEconômica Federal e o Banco do Brasil. No meio destes gigantes, oque poderíamos acrescentar, como poderíamos competir?Portanto, há áreas que, pela dimensão, excluem à partida osinvestidores portugueses.

Penso que sim. Grandes concessões rodoviárias, grandes obraspúblicas e outras grandes parcerias públicas...... são tudo áreasmuito competitivas e de valores muito altos. Há investidores de todoo mundo interessados, grandes companhias mundiais. Estão todosatentos e com muito capital disponível.Que negócios aconselha, então?

Se um empresário quiser fazer construção imobiliária, isso jáé diferente, porque aí você compra um terreno, constrói e vende.Para uma empresa portuguesa de construção de dimensão média ougrande esse pode ser um caminho interessante. Muitas dessas empresastêm vindo conversar connosco e nós próprios temos essa actividadeatravés de uma empresa chamada ES Properties. É um sector que, noBrasil, ainda tem muito para crescer. Há um défice muito grande decasas para habitação e a população brasileira está a adquirircada vez mais, a viver cada vez menos de aluguer. Essa mudança abreoportunidades de investimento.O contrário de Portugal.

Exactamente. Há oportunidades e não é só no Rio e em S. Paulo.Aí já é uma selva. Os locais menos competitivos, menos agressivos,ficam fora dos grandes centros urbanos, onde o jogo é mais duro.Fora das grandes cidades, embora numa perspectiva portuguesacontinuam sendo grandes cidades, há muitas necessidades, muitasoportunidades. É aí que são criadas as riquezas naturais doBrasil.Na área residencial, os preços subiram 20% no ano passado.

Já me perguntam se há uma bolha imobiliária. Eu acho que não,mas há pontos em que os preços estão realmente muitoinflacionados. Esta avenida de S. Paulo, a Faria Lima, onde estamos,tem preços mais altos do que Nova Iorque! É ridículo, ridículo!Todos querem ficar aqui. Se formos três avenidas para cima, o preçocai para metade.Na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, os preços subiram 50% nosúltimos 12 meses.

O Rio de Janeiro é entre o mar e a montanha e tem uma pequenafaixa litoral onde se pode construir. Se houvesse mais espaço, ospreços não seriam esses. Mas morro é morro. Só há aquelaavenida, ainda por cima é à beira-mar. Todos querem viver ali. Quempaga 20 ou 50 ou 100 não está nem aí: paga e pronto. Mas se vocêfor para os bairros interiores do Rio os preços são razoáveis.Quer viver em Ipanema, no Leblon, na Barra? Então, pague.O Ricardo vive longe daqui?

Vivo relativamente perto, 4,5 km. O trânsito é que é muito. Ànoite posso demorar 15 minutos ou uma hora no trânsito para chegar acasa. Recomendo a todos que venham para cá que pensem no tempo dasdeslocações. (risos)...E que outras recomendações faz?

Que têm de vir para aqui. Têm de estar cá mesmo. O mercado émuito competitivo. Estão aqui todas as empresas brasileiras e todasas multinacionais. É ombro a ombro, não dá para distrair.Recomendo sempre aos empresários que tragam alguém de extremaconfiança para ficar aqui à frente do projecto. Não adianta montaro negócio e vir de três em três meses ver como corre. As decisõestêm de ser tomadas rapidamente. Ou se está ou não se está. Jápassaram aqui muitas empresas com essa atitude de vir de dois em doismeses e quando reparavam tinham perdido a oportunidade. Quer investire crescer no Brasil? Venha, mas aqui é tudo taco a taco.E como têm corrido os investimentos do BES? Reduziu aparticipação no Bradesco de 6% para um pouco mais de 1% ...

Sim, mas reduzimos por outros motivos. O investimento no Bradescoera óptimo e tínhamos imenso carinho por ele. Infelizmente, houveuma circunstância, a crise, que nos obrigou a vender parte desseinvestimento porque ele comia os rácios de capital do BES de formaastronómica. Com a troika a pedir aumentos de capital... ainda bemque tínhamos essa participação para vender.Vai vender mais?

A participação no Bradesco era importante mas não direccionavaos nossos caminhos no Brasil. O banco de investimento, o BESI, é onosso dínamo de crescimento. É com esse projecto que apoiamos asempresas, portuguesas e espanholas, e encaminhamos empresasbrasileiras para fora. O triângulo Portugal, Brasil e Áfricacontinua forte.Grande parte do negócio é feito com empresas portuguesas?

Não, pelo contrário. É bom ter aqui as grandes empresasportuguesas, é importante para nós. Não vivemos das empresasportuguesas. Elas valem um terço do nosso negócio. Estamos acrescer em Espanha. Depois do Santander, quem é a referência parainvestir no Brasil? Nós.

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