O primeiro-ministro colou o PS ao Chega por causa da aprovação da moção de censura na Madeira e agora Pedro Nuno Santos cola o PSD ao Chega por causa da operação policial no Martim Moniz. Este vaivém constante, desde o “não é não” de Montenegro, agravou-se ontem com o extremar do tom dos discursos e da linguagem, à esquerda. .Foram, em poucas horas, lançadas dúvidas sobre a “legalidade” da ação da PSP, acusações de que “as forças de segurança” foram instruídas e mobilizadas “politicamente” para “perseguir” e “atacar indiscriminadamente imigrantes” e até foi sugerido que Marcelo iria afastar-se da polémica. E, por fim, uma certeza política: “Temos”, disse Pedro Nuno Santos sem hesitações, “o Governo mais extremista que nós tivemos nas últimas décadas da nossa democracia”..Porém, o “ato” que não foi “digno da democracia e do Estado de direito”, como o classifica Mariana Mortágua, e que deixou “envergonhado e revoltado” o secretário-geral do PS, “foi conforme a lei”, alertou Marcelo Rebelo de Sousa, que lembrou que a ação da PSP resultou no “cumprimento de uma decisão do tribunal, acompanhada pelo Ministério Público, para fins muitos específicos” de “cumprir seis mandados judiciais” - em coordenação com a Unidade Contra o Crime Especialmente Violento (UECCEV) do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa. .O que falta perceber? “Se isso [a operação policial] não teve o recato que esse tipo de intervenções deve ter, só se pode verificar quando vir as imagens”, disse Marcelo Rebelo de Sousa..O aviso e o “recato” do Presidente da República? “A segurança é muito importante para a vida das pessoas e para a estabilidade da situação social, económica e política (…) A segurança deve ser exercida respeitando as regras constitucionais e legais. Deve ser exercida, quer a segurança, quer a investigação judicial, sem riscos de se considerar que a publicidade ou a utilização de formas de cobertura dos acontecimentos enquanto eles decorrem retira o significado e o carácter pedagógico que deve ter essa intervenção”. Numa frase mais curta: “Saber exatamente o que é que aconteceu”..Pedro Nuno Santos, por seu lado, que considera, tal como o Bloco de Esquerda, haver “instrumentalização das forças de segurança”, exigiu explicações do Governo e da “direção nacional da PSP” sobre as “fundadas razões” para a “degradante e deprimente” operação policial. .“Sinto-me triste, envergonhado enquanto político e revoltado com o Governo do nosso país, mas também com a direção nacional da PSP (…) Se uma cultura repressiva e intimidatória se instala em Portugal, hoje são os imigrantes, amanhã são os portugueses todos”, afirmou. .“Revoltado” com “a direção nacional da PSP”, o secretário-geral socialista não indicou se o pedido de “fundadas razões” era extensível ao DIAP de Lisboa e ao “cumprimento de uma decisão do tribunal”, como recordou Marcelo Rebelo de Sousa. .O secretário-geral socialista, que acusa Montenegro e Carlos Moedas, presidente da câmara de Lisboa, de serem “oportunistas e irresponsáveis porque aquilo que têm feito é alimentar um clima de divisão, de ódio”, diz que a operação da PSP “nada” fez “pela sensação de segurança, antes pelo contrário”..Reforçando a ideia de que o que aconteceu no Martim Moniz “não tem nada que ver com segurança” e imputando, por isso, ao primeiro-ministro a acusação de alimentar “perceções”, Pedro Nuno Santos conclui que “os problemas de segurança não se resolvem com discursos incendiários e oportunistas”..Miguel Coelho, o socialista presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que até sugeriu que o Presidente da República devia pedir “desculpas” às “pessoas” da rua Benformoso, considerou que a operação policial da PSP, na quinta-feira, representa um comportamento “típico de uma ditadura islâmica ou de uma ditadura da América Latina”..“Julgo, como cidadão e como autarca, que não há condições para a senhora ministra da Administração Interna continuar e os comandos da polícia têm de explicar porque é que fecharam uma rua inteira e encostaram pessoas à parede. Seriam capazes de fazer isto em Campo de Ourique, nas Avenidas Novas, no Lumiar?”, questionou, à semelhança de Pedro Nuno Santos que disse ser “inimaginável que uma operação” como a de quinta-feira acontecesse noutras zonas de Lisboa ou do país..Miguel Coelho foi ainda mais longe nas criticas ao acusar a PSP de “completo alheamento” e “arrogância” por não falar “com os autarcas de proximidade” pedindo, por isso, “uma polícia respeitadora da Constituição” e “expurgada de movimentos racistas”..Também os socialistas Isabel Moreira, Ferro Rodrigues, Francisco Assis, José Luís Carneiro e António Vitorino se manifestaram publicamente contra uma “reprovável linha política ultra securitária” do Governo..PS, BE, PCP e o Livre já requereram a audição da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, e de Luís Carrilho, diretor nacional da PSP. O Livre vai pedir também uma audiência ao Presidente da República. .Luís Montenegro, na noite de quinta-feira, considerou “óbvio” e ”muito importante que operações como esta decorram, para que haja visibilidade e proximidade no policiamento e fiscalidade de atividades ilícitas”..As operações policiais de prevenção, considera o primeiro-ministro, “têm um duplo conteúdo”, o aumentar a “tranquilidade dos cidadãos, por um lado” e o combater “as “condutas criminosas”. .Telmo Correia, secretário de Estado da Administração Interna, a única voz do Governo a pronunciar-se, ontem, sobre a polémica - a ministra Margarida Blasco esteve no Parlamento, mas apesar de interpelada não falou sobre o tema - para além de dizer que “a polícia faz o seu trabalho, tem todo o apoio do Governo, tem toda a confiança e deve merecer também toda a confiança dos portugueses” reduziu as criticas da oposição ao “debate democrático” onde “há sempre quem se queixe de falta de polícia e há sempre quem se queixe quando aparece a polícia”. .E explicações? “Não compete ao Governo comentar operações policiais em concreto (…) o programa do Governo consiste em termos mais policiamento, com maior visibilidade, mais polícia na rua, mais operações em zonas que sejam consideradas sensíveis, ainda bem que assim é”. .Ao Expresso, Fernando Negrão, ex-ministro da Justiça e antigo diretor da PJ, rompeu o silêncio generalizado à direita. .“As ações de prevenção ou se fazem de uma forma discreta ou deixam de ser de prevenção para serem indutoras de insegurança na comunidade”, afirmou.