O sol já sorria esbatido nas encostas do Marão, mas os termómetros não subiam além dos três graus, temperatura que não impede os transmontanos de sair de casa, habituados a estas particularidades de janeiro. Quem passeava durante a manhã no centro da cidade acabou por se inscrever e fazer o rastreio gratuito. Quem por lá não passou, mas ouviu falar da iniciativa, aproveitou o período da tarde para “dar um saltinho”. Estava alcançado o objetivo de rastrear parte da população e sensibilizá-la para os cuidados a ter com a pressão arterial e com os níveis de colesterol. .Orlando e Alberto, dois amigos a espreitarem o sol no centro de Vila Real, aguardavam pela chamada junto à carrinha. Orlando viveu toda a vida no campo. Não tem hipertensão nem colesterol elevado e aos 64 anos gaba-se de não tomar qualquer tipo de medicação. Quis fazer o rastreio apenas como medida preventiva. No consultório móvel ambulante foi tudo muito rápido e simples; a médica começou com algumas perguntas sobre o estado de saúde, depois mediu-lhe a tensão três vezes para aferir melhor e certificar os níveis da tensão arterial, ainda lhe picou um dedo da mão para, com a gota de sangue que apareceu, medir o perfil lipídico. Por fim, tirou-lhe as medidas ao perímetro abdominal e tomou nota do peso. “Níveis muito bons, recomenda-se continuar assim…” sorriu Daniela Viana, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, ao anotar os valores. “O seu HDL é que poderia estar um bocadinho melhor”. “HDL?”, questionou baralhado Orlando. A resposta era simples. “É o colesterol bom”, explicou a médica recomendando a prática de mais exercício físico e uma boa alimentação. Ao levantar-se, depois dos “exames”, brincou enquanto mostrava o cartão com a avaliação. “A minha desgraça… futuro cliente de comprimidos”. “Futuro, mas distante!”, disse logo de imediato a médica, divertida..Diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro lembra que região transmontana tem “tradição de uma gastronomia com muito sal”, que acaba por influenciar os valores da tensão.Cá fora, Maria da Conceição, uma septuagenária sorridente e calma, explicava que ouvira falar do rastreio gratuito quando ia ao terminal multibanco com a amiga. Alguém as incentivara a participar. “Correu muito bem. Os resultados também foram bons, sim. Já tenho medido a tensão em casa e até podia fazer isso mais vezes, só que sou um pouquinho preguiçosa”, admitiu..Os abusos durante as festas de Natal e Ano Novo refletiram-se nos valores de Graça, de 61 anos. Ao sair da caravana confessou que “nem correu mal, a não ser o “colesterolzinho” que está um pouco alto, mas as festas são perigosas, não é? Abusa-se um bocadinho, principalmente no Natal, são os fritos, os pastelinhos de bacalhau, os sonhos”..Particularidades regionais influenciam hipertensão .A cultura transmontana é conhecida pelo fumeiro e pelos pratos tradicionais com maior teor de sal. Tal como o açúcar e o excesso de gordura, o sal influencia os níveis de hipertensão. Apesar de não ter dados concretos, Fernando Salvador, Diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, não passou ao lado das particularidades da região. “Acho que temos aqui duas componentes: haverá algum subdiagnóstico da doença, por alguma iliteracia em saúde que temos tentado combater, e, por outro lado, ainda há alguma tradição de uma gastronomia com muito sal e muitos enchidos, que difere do resto do país”..Ciente desta realidade, a comunidade médica criou “a Unidade de Hipertensão Arterial e Risco Vascular”, explicou o médico. Aqui são observados “doentes com hipertensões resistentes e refratárias [que se mantêm altas mesmo com medicação] e doentes com risco vascular acrescido, na perspetiva de controlar as patologias”..Também presente em Vila Real, a acompanhar a ação de rastreio, a Presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) acrescentou o fator “temperatura” como influenciador deste retrato da patologia que o Diário de Notícias está a fazer pelo país. “Estamos numa cidade mais fria, numa época do ano mais rigorosa e isso também provoca algumas variações em termos de tensão arterial. Há uma ligeira variação quer estejamos num ambiente quente ou num ambiente frio e, portanto, é outra sensibilidade que as pessoas podem ter”, apontou Rosa de Pinho..A iniciativa “Pela Saúde de Portugal” englobada na Missão 70/26, um programa estratégico da que tem como objetivo controlar 70% dos doentes hipertensos até 2026 está a percorrer o país com o apoio da farmacêutica Servier, Diário de Notícia s e TSF. Depois do Porto e Vila Real, a Guarda será o destino da próxima ação de rastreio a 17 de fevereiro.