Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam. Que muito povo se assuste, julgando que és a culpada, eis o terrível embuste, por qualquer preço que custe, com que te armam a cilada. Jorge de Sena, Cantiga de Maio, 1974 Há dias em que todas as nossas dúvidas, os nossos comodismos e o ceticismo ambiente são ultrapassados por um simples imperativo categórico a surgir dentro de nós: “Agora não é hora de fugir, é hora de lutar”..Dizer que escrevendo este artigo estou a contribuir para que o “meu” jornal, o Diário de Notícias, vença a luta que está a travar, seria da minha parte ingénuo e presunçoso. Mas acontece que, ao escrevê-lo, fui movido por um sentimento imperativo, por um dever moral, que, mesmo sem consequências práticas previsíveis, me interpelava e dirigia....Também ter assistido ao Congresso do PS, que decorreu no fim de semana passado, significou, para este socialista que sou, entender que, por cima de todas as coisas em que o PS me possa ter decepcionado, é nele por fim que encontro o pensamento e o rumo próprios do socialismo democrático: um discurso que nunca confunde socialismo democrático com cedência ao pensamento ultra liberal dominante, um discurso que contrapõe à demissão do Estado um papel de estratega e impulsionador de um rumo para a economia e a defesa das conquistas do Estado social. É que, como dizia um clássico, “quem pensa como a direita acaba por fazer as políticas da direita”....Quando sentimos abalar todas as fundações do mundo em que vivemos, podemos escolher entre a fuga (refugiarmo-nos nos nossos jardins interiores, antes da explosão) e a luta (suspendermos o nosso ceticismo doentio para nos deixarmos envolver numa causa ou numa paixão, superando assim a memória de tantas desilusões)..Como se torna evidente, este não é tempo para exílios interiores. O que se anuncia por detrás deste abalo global é demasiado mau para nos podermos dar ao luxo de desistir de o enfrentar ou de nos perdermos no que nos divide..As causas que apresentei como exemplo têm dimensões distintas e apelos diferentes. Um democrata pode evidentemente não apoiar o PS, mas, desde que não apoie o Chega em público ou em privado, não deixará por certo de partilhar a causa comum de defender a democracia. Mas um democrata não pode também aceitar que os jornais estejam a ser progressivamente eliminados, em benefício da novilíngua do pensamento único que vai dominando as redes sociais....O ano de 2024 vai ser um ano de escolhas fundamentais. Chegaremos ao ponto de no dia 25 de abril termos a comemorar a Revolução aqueles mesmos que a odeiam e contra os quais se levantaram os capitães de abril? Chegaremos ao ponto de substituirmos os nossos jornais por sites manhosos da internet? Será isto que a minha geração, que viveu abril, vai deixar aos nossos filhos e netos?.O fim das festas traz sempre consigo a melancolia das alegrias passadas. Talvez seja o sentimento que inspira hoje esta minha visão tão pessimista do nosso futuro. Mas que seja então lido este meu texto como um incentivo contra a passividade, contra a indiferença, porque nada nos será permanentemente assegurado se não o defendermos e, como dizia Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.Diplomata e escritor