Por todos os “novos portugueses” e por todos nós

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Ouvir um alto responsável com uma vida profissional dedicada ao apoio a refugiados dar uma nota positiva ao Plano de Ação para as Migrações, apresentado pelo Governo, merece ser salientado. Na entrevista DN/TSF que publicamos nesta edição, André Costa Jorge, diretor do Serviço Jesuíta para os Refugiados (JRS) em Portugal e coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), sublinha o “distanciamento ao nível do discurso político que o Governo fez relativamente aos discursos marcadamente xenófobos”.

Na apresentação do Plano, o primeiro-ministro afirmou que “precisamos de dizer ao país, olhos nos olhos, (…) que não há nenhuma relação direta entre o acolhimento de imigrantes e aumento de índices de criminalidade. Há crimes cometidos por cidadãos portugueses e por cidadãos estrangeiros e não vale a pena estigmatizar as comunidades dos que nos procuram à boleia de episódios casuísticos. Se o fizermos também teremos de tirar as mesmas conclusões sobre os nossos cidadãos”. 

Mas não é só este o elogio de André Costa Jorge. Assinala também que “o Governo ouviu a sociedade civil”, incluindo a JRS e a PAR, tendo identificado medidas e soluções que as próprias organizações vinham a defender. “É ótimo haver um plano, mesmo podendo ser imperfeito. Haver um plano permite a todos que haja escrutínio e podemos aperfeiçoá-lo”, asseverou.

É assim que se começa a ver, como Luís Montenegro, “os imigrantes que hoje procuram Portugal como novos portugueses”, mas é também um sinal muito importante para fora, que é dizer às organizações criminosas de tráfico de seres humanos e auxílio à imigração ilegal que Portugal deixou de ser o seu paraíso. 

Infelizmente quem estava a governar em 2017, quando a Lei de Estrangeiros foi alterada e deu o tiro de partida para a entrada em Portugal de milhares de imigrantes (nada contra) sem condições de acolhimento e integração, não percebeu isso.

Na altura, a ministra socialista Constança Urbano de Sousa, seguida de Eduardo Cabrita, não ouviu quem mais experiência tinha na matéria, a direção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), liderada por Luísa Maia Gonçalves, que anteviu todos os cenários que hoje constituem a chamada “herança pesada” em matéria de migrações, como a designou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro.

No seu parecer, o SEF alertava para o “efeito chamada de forma descontrolada” que a nova Lei iria provocar e uma autêntica “legalização extraordinária de imigrantes, com a agravante de não ser feita em legislação especial para o efeito”, lembrando que a dispensa de visto, “à semelhança do que acontece com os regimes para as vítimas de tráfico de seres humanos, tem de se alicerçar em razões ponderosas de cariz humanitário ou ligados ao interesse nacional”. 

Sabemos, de forma científica, que a maioria dos portugueses quer imigrantes no país, mas de forma regulada - premissa a que o Plano do Governo vem responder.

De acordo com um inquérito da Lisbon Public Law da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) sobre a perceção que os portugueses têm da imigração no nosso país, 71,7% dos inquiridos elegeram como uma das frases em que mais se revê a de que “os portugueses devem receber bem os imigrantes” e 68,7% consideram importante Portugal receber imigrantes dentro e fora da Europa.

Mas, ao mesmo tempo, 55% acham que a imigração está fora de controlo, defendo que haja regulação nas entradas.

“Os portugueses são um povo de acolhimento, mas querem uma política de imigração regulada, previsível e controlada”, concluiu a coautora Ana Rita Gil, investigadora de Direitos Humanos das Migrações. 

Este é, por isso, um tema extremamente sensível e só a moderação do discurso e das soluções é eficaz. Não é por acaso que entrou no debate eleitoral. Porque não se planeou, não se pensou e não se criaram condições.

Partimos para as eleições europeias com uma direita radical em ascensão, cujo desígnio é polarizar e semear o ódio na sociedade.

No livro O eleitorado português no século XXI, organizado pelas doutoradas em Ciência Política Marina Costa Lobo e Ana Espírito-Santo, sublinha-se que “estamos perante um eleitorado muito mais dividido”, um “declínio da social-democracia, associado a um aumento da direita radical”. Contrariar esta deriva é mais importante do que qualquer dogma ideológico.

Ameaçar “chumbar” o Plano de Ação para as Migrações sem dar sequer a hipótese de o “aperfeiçoar”, como alerta nesta entrevista André Costa Jorge, é um ataque aos portugueses. Aos novos e a todos os outros.

Diretora adjunta do Diário de Notícias
 

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