Até ao dia da entrega da proposta de Orçamento do Estado no Parlamento, na quinta-feira, muito se vai escrever e ouvir sobre as negociações entre o Governo (PSD/CDS) e o PS. Mas os terrenos de batalha que já foram escolhidos - a Colina do IRC e o Desembarque no IRS Jovem - não vão perdurar para sempre nos manuais de História, nem deles farão filmes épicos, pela simples razão de que rapidamente serão ultrapassados nos ecrãs por um vestido de fadista ou qualquer outra polémica oca e imbecil. E isso tem um punhado de razões.A primeira é a sensação de que estamos a assistir a um ato coreografado, com Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a tentar fazer-nos crer que o resultado da dança é incerto. Muito provavelmente não é. O PS não tem muitas opções realistas (e condizentes com um partido que aspira ao poder) que não passem por aprovar o OE para 2025, tanto mais que o IRS Jovem é originariamente uma medida sua e a AD mostra disponibilidade para “martelar” a sua proposta de baixar o IRC até um ponto em que os socialistas a achem palatável. Perante isto, será difícil vender ao país a ideia de chumbar um Orçamento, deitar abaixo um Governo, ir para eleições e, provavelmente, dar ainda mais força à extrema-direita. A segunda é que, face a isto, o país já percebeu que não há piripíri nesta moamba. Afinal de contas são os dois partidos do poder (o CDS aqui contará pouco) a acertar entre si as condições de governabilidade. A gritaria do Chega ainda lá está, mas muito esbatida pelo facto de estar encostado à única peça de artilharia que ainda tem - o poder de convocar Comissões Parlamentares de Inquérito. Ao contrário do tempo da Geringonça, não há Bloco de Esquerda nem PCP a exigir semanas de trabalho de 35 horas no SNS ou adicionais no IMI e o seu tempo de antena quase se esgotou quando anunciaram, sem nunca terem lido o documento, que iriam votar contra o OE2025 da AD. Agora, nem com vestidos de fadista provocariam algo mais do que um bocejo dos eleitores. Os partidos das extremas (direita e esquerda) estão encurralados pelos resultados das legislativas de 10 de março. O Bloco e o PCP porque lhes tiraram músculo, sob a forma de deputados, e o Chega porque o músculo é inútil quando o adversário insiste em deixá-lo sozinho no ringue. E quanto mais músculo, mais cansa dar socos no vazio.Ou seja, Luís Montenegro terá percebido desde muito cedo - e daí o “Não é Não” - que o partido mais responsável, o PS, não se poderia dar ao luxo de ser responsabilizado por uma segunda ascensão do Chega. O PS não pode fazer cair o Governo sem ter expectativas sólidas, matemáticas, de uma vitória das esquerdas em legislativas antecipadas. E André Ventura também não poderá ir tranquilamente para eleições antecipadas sob a ameaça de devolver o país ao PS, ainda por cima a depender da extrema-esquerda do Bloco e do PCP. O PSD de Montenegro solidifica o centro, que é quem faz ganhar eleições, e um Pedro Nuno Santos, agora mais cerebral, já terá percebido que é ali que fará caminho. Os não extremados estão de volta.