Com 126 palavras, o comunicado do primeiro Conselho de Ministros do novo governo anunciou ao país uma birra e uma proposta de trabalho..A birra é anúncio do regresso do anterior logotipo do governo. Recuperando a esfera armilar com “escudo, quinas e castelos”, o governo assegura que com esta decisão se valorizam a “história, identidade e culturas nacionais”. Enfim. O ridículo não mata, mas mói..Já a proposta de trabalho parece mais promissora – o governo pretende promover uma “agenda ambiciosa, eficaz e consensual de combate à corrupção”..A primeira certeza é que vamos regressar ao carrossel dos debates da criminalização do enriquecimento ilícito, que consta do programa da AD e que os deputados da AR andam a mastigar há muitos anos. É uma proposta relevante, mas os riscos são conhecidos. Qualquer legislação que assente na inversão do ónus da prova é um atentado ao Estado de Direito, como o Tribunal Constitucional tem feito questão de apontar. No entanto, há exemplos de soluções noutros países que parecem promissores, é estudá-los e avançar..Mas para quem lê o compromisso eleitoral da AD, há uma segunda área de debates que pode ser arrumada sob o signo da promoção da transparência. O programa da AD começa por referir que Portugal é um dos países onde os cidadãos mais manifestam desconfiança face às instituições, e argumenta que são necessárias medidas para promover a “integridade e transparência na governação” e para “fortalecer a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas”. Avança com uma cascata de novos registos; incompatibilidades e impedimentos de decisores políticos; alargamento de “períodos de nojo de governantes”. É um bom mote, veremos o que se avança nestas matérias..Mas, sobre transparência e confiança nas instituições, é bom notar que o governo criou um enorme problema para si mesmo. Esse problema chama-se Miguel Pinto Luz, o novo ministro das infraestruturas que ficou agora encarregado dos dossiers da TAP e do novo aeroporto..É que Pinto Luz não é um novato. Teve responsabilidades políticas diretas na privatização da TAP. Um processo que primou pela opacidade e por decisões que, objetivamente, prejudicaram o Estado. Foi o secretário de Estado responsável pela privatização da TAP, em 2015, um negócio assinado numa bizarra reunião a altas horas da noite, quando já se sabia que o governo da PAF tinha perdido toda a sua legitimidade política. Enquanto governante assinou uma “carta de conforto” aos credores da TAP em que o Estado Português garantia o pagamento da dívida em caso de incumprimento, mesmo depois da privatização. Não há qualquer explicação racional de defesa de interesse de Estado para esta carta. Ela estabelecia que se a atividade da TAP corresse bem, todo o lucro seria para o privado; se corresse mal, todo o risco era assumido pelo Estado, e pago com o dinheiro dos contribuintes portugueses..Acresce que foi noticiado que a própria capitalização da empresa por David Neelman foi feita com dinheiro da própria TAP – pela promessa de renegociação (em alta) da compra de aviões à Airbus, que terá avançado as verbas que Neelman usou para a comprar. Ou seja: Pinto Luz fez com Neelman um negócio inexplicável: sem riscos para o comprador; sem necessidade de investimento próprio; e com todo o risco a ser assumido pelo Estado português..Agora, Pinto Luz vai ter de decidir sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, numa negociação com a VINCI, cuja concessão resultou de um negócio do governo de Passos Coelho que foi arrasado na recente auditoria do Tribunal de Contas. Cito: o processo decorreu “sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro”; o Estado não fez “avaliação prévia, que era legalmente exigível”; o Estado “concedeu à VINCI os dividendos de 2012, quando a gestão ainda era pública”; o Estado “suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão, tendo o preço da privatização sido 71,4 M€ inferior ao oferecido e aceite”. Para concluir: “as desconformidades e inconsistências detectadas no exame do Relatório… para as quais a Parpública não tem explicação, são graves e revelam um risco material de falta de fidedignidade de documentação processual que foi determinante para a escolha do comprador”. Acresce que a representar o concessionário privado no processo do novo aeroporto temos, curiosamente, um ex-ministro do PSD – José Luís Arnaut – notório apoiante de Luís Montengro..Podem multiplicar registos, incompatibilidades e regulamentos. Para a agenda da transparência, estes é que são os processos centrais para a “confiança dos cidadãos nas instituições democráticas”, que a AD diz pretender. Precisamos de holofotes de transparência sobre as suas decisões. Podemos ter agora o acalento da esfera armilar, das quinas e castelos, mas sinto que a pátria não está segura.